terça-feira, 5 de março de 2013

Qual é a do cone?



Disse Arquimedes: dê-me uma alavanca e um ponto de apoio e eu levantarei o mundo. Pois eu digo: dê aos homens alguns cones e eles tentarão dominar esse mesmo mundo.

Uma coisa anda me agoniando há um tempo: a maneira como o uso dos cones altera o rumo das pessoas em qualquer lugar que se vá. Eles estão em vários locais e, usados em diversas situações, querem basicamente dizer "ei você, não venha aqui; fique exatamente onde está, porque aqui tem um cone e todo mundo sabe que os cones são a máxima autoridade no que se refere ao cerceamento do direito de ir e vir".

Se uma pessoa não quer algo em algum lugar, basta colocar um cone e fim de papo. Especialmente se esse lugar for uma faixa da rua, uma vaga ou até um estacionamento inteiro. Colocou o cone, já era. As pessoas não passam e, normalmente, não questionam. Posso até estar errada, mas raríssimas vezes eu vi alguém desafiar a autoridade que vem dessa forma de demarcação territorial.

Quando eu era criança, existia uma coisa que dava poder aos garotos: ser o dono da bola. Se o dono não concordasse com a brincadeira, ele pegava a bola e ia embora. A molecada ficava toda chateada e acabava, para evitar o transtorno, fazendo tudo o que o pequeno déspota detentor da brincadeira quisesse. Ora, tenho a sensação de que esse conceito, extrapolado para a idade adulta, confere ao dono do cone o poder de gerir, de decidir quem passa onde, quem vai, quem fica e de cercar pequenas porções de mundo.

E não se engane: algumas coisas são condenáveis no mundo dos adultos; outras são inaceitáveis. Por exemplo: xingar algum parente de um segurança pode ser algo condenável; mas derrubar o cone é inaceitável. Esse ato, o de derrubar a demarcação territorial, é uma demonstração de falta de atenção, de desrespeito às regras e à autoridade. Ora, a pessoa precisa ter a tranquilidade de demarcar um lugar e saber que aquela demarcação - embora seja bem mais no plano das ideias (visto que apenas a moral impede que se retire um cone de seu lugar) e muitas vezes nem se justifique tanto assim - vai continuar valendo.

Se por um lado os cones inspiram o respeito dos cidadãos de bem, os mesmos objeto são os alvos da cobiça de gente que não tem muito juízo. Daí surgiu uma mania dos últimos tempos: roubar cones. Vez por outra, ouve-se por aí a história de alguém que tenha se apropriado do cone alheio. Acredito que isso, mais que uma questão de desonestidade e falta do que fazer, passe pela rebeldia, pela aventura de estragar a cerca do vizinho. É como se a pessoa dissesse "olha aqui o que eu faço com a sua dominação do mundo!"  Desconfio inclusive que o ato de se roubar um cone possa ser interpretado como um "bundalelê ideológico pós-moderno".

O que, então, justifica um texto para discutir a finalidade dos cones? Absolutamente nada, exceto o fato de eu achar muito engraçado a maneira pela qual esses objetos inertes e desprovidos de quaisquer elementos especiais se tornem responsáveis por conferir um status de dono do pedaço a quem quer que os distribua.

Passe por aqui. Não vá ali. Evite essa faixa. Estacione na próxima vaga. Faça um ziguezague de dez metros, pare o carro, mostre a carteira de habilitação, os outros documentos e, caso esteja tudo certo, siga adiante. São muitas ordens e ações variadas, mas que obedecem basicamente a mesma regra: seu mestre mandou!

Eu mesma reconheço meu quinhão de obediência e meus pensamentos de rebeldia. Vez por outra, passo por uma série de cones e penso: "lá estão os danados, me dizendo o que fazer ou não. Afinal, qual é a do cone? Quem ele pensa que é?". Aí me dá uma agonia, de ver que aquele pequeno objeto representa uma autoridade maior que minha própria autonomia e me dá uma vontade lascada de parar o carro, tirar o cone e estacionar assim mesmo. Mas não faço nada, leitor querido. Sabe como é; manda quem pode, obedece quem tem juízo.

Beijinhos
Fê Coelho


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