quinta-feira, 26 de abril de 2012

Eu tenho um sonho




Qual é o seu maior sonho? Tive que pensar em uma resposta para esta pergunta esta noite. Foi um questionamento direto, fruto de uma conversa sobre ideias e sentimentos. Uma pergunta jogada, um parágrafo de uma só oração. Qual é o seu maior sonho?

Juntei todos os fragmentos daquilo que eu possa considerar um sonho, pensei em todas as sensações e respodi - rápido demais: "ser suficiente para minhas filhas; ter um emprego que nos possibilite viver confortavelmente, uma boa casa e condições para ser uma boa mãe; poder educar minhas filhas e ter algumas regalias". Bem classe média. Bem simples. Bem básico.
Acontece que não era só isso. Uma outra parte do meu maior sonho ficou aqui no canto da consciência, emburrada, com os braços cruzados, ameaçando fazer birra se eu não a assumisse: minha vontade de um dia ser reconhecida por algo que eu tenha escrito. E foi precisamente isso, o que me fez continuar a remoer a pergunta de minha amiga. Qual é o meu maior sonho?
Me inquietei e, como é de praxe, passei a analisar meus motivos, minhas vivências e aspirações. Olhei bem lá pra dentro, para onde nascem os sonhos e perguntei: "ei, você aí, qual é o seu maior sonho?"
E dessa vez a resposta veio devagar, suave, em ondas de fatos e sensações. A resposta veio na forma de música: Epitáfio, essa canção tão linda e tão triste, que normalmente me faz refletir sobre arrependimento. E foi, então, nessa resposta ao avesso, que encontrei o lado direito do meu maior sonho: me orgulhar.

Meu maior sonho é viver de uma forma que, lá do alto do morro da vida, na velhice - lugar onde os dias fazem a curva, e que nos permite enxergar tudo o que foi feito, dito, omitido e vivido - eu possa sentir orgulho do caminho que trilhei. Sonho em poder sentir orgulho de mim mesma, de meus dias, de minha descendência, de minhas conquistas, das amizades que cultivei, dos meus escritos. Sonho poder sentir satisfação pelo que vivi.

Talvez esse seja um sonho comum a todos os seres humanos. Talvez seja por isso que as pessoas escalam montanhas, adquirem casas, formam famílias, levantam pesos, navegam oceanos e fazem descobertas científicas. Talvez seja essa a mola do mundo: provar a si mesmo o seu valor. Ou quem sabe, seja apenas uma maneira simplista de resumir as grandes aspirações da humanidade.

De qualquer maneira, fica respondida a pergunta. Meu maior sonho é poder olhar para os meus dias e me orgulhar deles. É me realizar enquanto mulher, mãe, profissional e ter a certeza que, em cada situação, eu, se não consegui, tentei tirar o melhor.

Beijinhos
Fê Coelho


sábado, 14 de abril de 2012

Terra de ninguém




O coração do outro, disse-me uma amiga, é terra que ninguém pisa. E eu concordo. O que mais poderia fazer? Essa é, dentre as ideias com as quais me deparei recentemente, uma das mais inquestionáveis.

O coração alheio é terra que nenhum olho humano vê e nenhum outro sentido alcança. É território que ninguém conquista como propriedade. É local insondável, selvagem em sua singeleza exuberante. Dele não se pode apossar. Não se pode, ali, colocar bandeira e dizer: tudo isso é meu. Porque não se conhece o que vai no coração do outro.

O coração do outro guarda surpresas que vão muito além do confesso. Esconde segredos e motivos que escapam à nossa compreensão e frustra – talvez por capricho, talvez por não saber outra maneira de ser – todas as nossas grandes suposições. E quem pode culpá-lo? Não temos olhos para ver o que vai no coração do outro.

Não conseguimos compreender as nuances, nem ler as entrelinhas dessa terra de ninguém. Tudo o que sabemos sobre o coração alheio é o que ouvimos e observamos. Sobre isso, duas ponderações devem ser feitas: o homem mente e amiúde tem a mira ruim para inferências. Ora, é comum julgar triste uma pessoa que está apenas pensativa. Assim como é frequente não enxergar a tristeza que vem travestida de felicidade. E não é por mal. A questão é que não é dado a nenhum de nós penetrar esse recinto, que muitas vezes nem o próprio dono conhece a fundo.

Desconheço o que esse fato representa para outras pessoas, mas compreendo que, para mim, acessar essa ideia foi algo libertador. Principalmente porque muitas vezes me angustio acerca do que os outros sentem, do que os move e explica suas ações. Enfrento os olhares, tentando compreender. Ouço as ideias, como se me pendurasse nelas, presa por um fiapo de significado que se comunica com o que, de fato, se quis dizer. Procuro colocar-me no lugar do outro e fazer inferências. Tudo em vão. Porque afinal de contas todo esse esforço passa pelo filtro de minhas próprias vivências. E isso, em si, já é o suficiente para escancarar a subjetividade de meu parco conhecimento.

Acredito que talvez o ponto principal de toda essa reflexão seja um caminho pacífico e sem volta à aceitação. Pode ser que essa ideia tenha chegado a mim para serenar algumas angústias e para dizer que não importa o que eu pense ou quanto me esforce, alguns conhecimentos simplesmente não estão acessíveis. Quem sabe seja uma questão de apenas aceitar e reagir, sem ter a pretensão de entender. Porque volto a dizer - e preciso me lembrar disso diariamente – disse-me uma amiga muito querida, o coração do outro é terra que ninguém pisa.

Beijinhos
Fê Coelho

quarta-feira, 11 de abril de 2012

Por que não eu?



Preciso de um pseudônimo, de um nome que me abrigue de minha vida, para dar vazão a coisas que eu gostaria de dizer. Preciso de uma outra alcunha à qual emprestar alguns pensamentos  - uns que se sacodem aqui dentro e não param de me perturbar - sobre os quais eu não pretendo escrever. Preciso de um novo nome, que me proteja do olhar conhecido, que me abrigue das opiniões a meu respeito. Procuro um pseudônimo para que, tendo eu escrito, não se faça julgamento de valor a respeito do que tenha motivado o texto. Quero uma personagem - uma criatura escritora que possa dizer o que quer, sem ter que se explicar.

Eu poderia com tranquilidade criar uma tal Soledad Montenegro e fazer com que ela contasse algumas anedotas. Poderia ajudá-la (ou seria o contrário?) a explicar que, a bem da verdade não sentimos falta das pessoas que se vão, mas de nós mesmos enquanto tínhamos o convívio dos que se foram. Soledad falaria sobre algumas angústias e seria toda nostalgia. Por ela, eu poderia atender a uma amiga especial que sempre me pede para escrever sobre o amor e que vem sendo sistematicamente frustrada.

Porque, senhores, não pretendo falar sobre amor - a não ser que seja aquele que  devotamos aos filhos, à família e à vida. O restante desse discurso, não importa o quão inovadores sejam os nossos pensamentos, acaba virando uma pieguice só. Amor é assunto pra conversa informal, de boteco, de noite de meninas ou do que quer que seja. Mas documentar pensamentos a respeito desse tema é fria. Porque, invariavelmente, o que pode ser apenas um conceito, uma ideia sem destinatário, acaba virando um recado. E aí o circo está armado. Nunca se consegue um distanciamento ideal para falar sobre o amor: nem de tempo, nem de espaço, nem de encarnação. Falou de amor, virou indireta. Mesmo que não seja. Então deixemos esse assunto.

Escrever nem sempre é fácil. Aliás, na maioria das vezes não o é. Há uma censura interna digna do A.I.5 que me impede de escrever livremente. O que fulaninha vai pensar? O que cicraninho vai entender? Que juízo de valor farão de mim, após lerem este texto? Porque, convenhamos, é a minha cara que está ali para baterem. Escrever materializa o que as pessoas apenas supunham, confirma ou refuta o que esperavam que você fosse. E sinto muito em dizer: não consigo lidar com essa coisa de arte pela arte. Não sei deixar de me importar. Mas a Maria dos Cascos saberia.

Maria dos Cascos falaria com propriedade sobre gente ruim e poderia até dar alguns exemplos de situações em que essas pessoas se denunciam. Maria dos Cascos poderia reclamar à vontade, eu não. Porque a Maria dos Cascos é livre. Ela não tem parentes, nem amigos, nem emprego, nem  uma carreira para zelar. A Maria, sim, pode fazer arte pela arte de ser intransigente. Eu não.

A Colombina poderia falar de medos. Sophie Lapin falaria de desejo. João Brutão falaria das chatices das mulheres. Tiana Arranca Toco discorreria sobre as frescuras dos homens. Mariazinha do Dente de Leite listaria motivos que a deixam pau da vida com o mundo dos adultos. E todos seriam eu, sem a carga do olhar de quem me conhece.

Claro que é uma bela forma de covardia. Acontece que tenho "licença poética" para isso. O precedente está aberto. Richard Bachman (Stephen King), Brás Patife (Olavo Bilac) e Boas Noites (Machado de Assis) que o digam. Se eles - que não tinham idiotices a dizer - puderam, porque não eu?




quarta-feira, 4 de abril de 2012

Algumas vezes



Algumas vezes acontece.
Acontece de um poema me pegar pelas pernas
E suas palavras fazerem sentido e me encantarem como jamais acontecera

Algumas vezes acontece de meus olhos sorrirem
Sem que eu diga palavra alguma,
Sem que meus lábios esbocem a menor contração

Algumas vezes reconheço a ternura em ideias
E acho que isso é algo adorável
E desejo que essa ternura faça parte de mim
Dos meus amigos
Da minha vida

Algumas vezes as palavras aparecem em versos
Sem rima
Sem métrica
Pelo capricho de ser estrofe

Algumas vezes, só algumas vezes
Assusto as pessoas por dizer exatamente o que penso
Sem modular os conceitos
Sem polir as palavras
Sem me importar
Sem cuidar
Sem querer
Sem dar a mínima

E me sinto meio diferente
Destoante
Pensante
Meio estranha e muito conformada

Porque essas coisas só acontecem de vez em quando
Só algumas vezes

Beijinhos
Fê Coelho

terça-feira, 3 de abril de 2012

O Princípio de Tudo



Se, nas diversas situações que a vida nos apresenta, apenas uma coisa puder ser mantida, recomendo que seja a dignidade. Tenho visto muitas pessoas preocupadas em manter a vaidade, as aparências, o orgulho, o emprego, o relacionamento, o status, enfim. Tenho visto muitas coisas serem colocadas como prioridade, mas a dignidade é algo que raramente se vê em primeiro lugar. E isso é, sem a menor dúvida, algo que me intriga.

De que adianta manter as aparências se o essencial - aquilo que não se pode ver - estiver num estado deplorável? Para que pintar as paredes da fachada, se dentro de casa o reboco das paredes cai e não se pode confiar nas fundações? Quero dizer, por que motivo haveremos de espanar uma felicidade e uma vida ilusória que, a bem da verdade, não está lá?

Por que se preocupar em manter um relacionamento a todo custo, se submetendo a humilhações, a acordos malfeitos, possíveis agressões ou mesmo noites solitárias ao lado do travesseiro onde repousa uma cabeça que nada tem a ver com a sua? Para dizer que está tudo bem? Para fingir que está tudo certo? Para que as pessoas não pensem mal de você? Ou apenas para ter uma companhia que, embora inadequada, é a única que se tem? Por que tanto medo da solidão?

Ora, tenho pensado nos últimos meses que dignidade é um estado de espírito, uma forma de viver, uma virtude ou apenas um conceito - vá saber. Fato é que este sei lá o quê é a diferença entre quem se entrega e quem resiste. Tenho notado que, se você, em cada situação, puder manter apenas isso, já terá feito o bastante.

Porque não se consegue pisar sobre uma pessoa digna. Não se pode piorar sua situação. Pode-se, claro, dificultar as coisas, mas uma pessoa digna estará sempre com a cabeça erguida e poderá surpreender em qualquer condição. Porque manter-se digno é o princípio de tudo.

Acredito que seja algo além de dizer a verdade. É, antes disso, viver esse estado de ser verdadeiro. É ser sincero com os outros, mas principalmente consigo mesmo, aceitando-se, vivendo o que se pode viver, e dando ao mundo o que se pode dar - nada além ou aquém.

Se me perguntassem qual é a minha definição para dignidade, eu responderia que é o estado de perene entendimento com o próprio travesseiro, num modo de viver que permite ao ser humano olhar diretamente para o seu semelhante, sem desviar olhar, sem nada temer, porque afinal de contas nada deve.
Related Posts Plugin for WordPress, Blogger...