terça-feira, 31 de maio de 2011

Nunca mais como antes fora.



Sentaram-se, os dois amigos, como tantas vezes fizeram antes, sob a mesma árvore, sobre o mesmo morro, olhando a mesma paisagem. Miraram o pôr do sol, como tantas vezes fizeram, e falaram. Disseram as bobagens de sempre, comentaram os costumes das pessoas e falaram de literatura.

- Olha lá embaixo. - ele disse - Quem é aquela senhora?
- Ora. - ela riu - é a Dona Soraia.
- Não, Fabi. Assim não tem graça. - Lucas reclamou - Vai de novo.
- Tudo bem, então. Aquela é uma mulher extremamente perigosa. Ela se passa por camponesa, mas é traficante. Todos os dias, esconde bocados de cocaína nas vísceras de inocentes carneirinhos que são assassinados de madrugada. Melhor assim?
- Muito melhor. - Lucas riu, sossegado, e se deitou na grama. - E seu filho é um super-herói. - continuou -  Ele discretamente observa o comportamento transviado de sua mãe e carrega consigo a dor de estar dividido entre o amor e o dever. O rapaz se tortura diariamente fugindo para lugares horríveis, na esperança de se punir por seu silêncio.
- Deve ser por isso que ele leva uma cara tão ruim à missa.

E Fabiana riu. Um riso solto, alegre como de costume, musical, embalado pela felicidade simples e descomplicada. Gargalharam juntos, como sempre fora.

Lucas sentou-se e fez a pergunta que mudaria tudo aquilo.

- Quem é a pessoa mais perigosa do mundo? - Ele ainda ria.

Fabiana ficou, então, muito quieta. Olhou para o horizonte crivado de morros alaranjados de poente e sentiu o vento frio que trazia consigo o mês de junho. Ajeitou uma mecha de cabelo atrás da orelha e recordou: as brincadeiras, as verdades ditas e não ditas, os encontros sob aquela árvore sobre aquele morro, as risadas, o choro, os conselhos, o que tinham em comum, o que os afastava, Lucas, seus olhos, seu sorriso.

- Você. - Ela respondeu.

-E por quê? - Seu sorriso já não era tão largo.

- Porque, nesse momento preciso, você é a única pessoa  por quem eu corro um risco enorme de me apaixonar.

E o mundo se fez novo, porque de uma maneira ou outra, por algum motivo, nada seria mais como sempre fora.


Trilha sonora para o conto:




Beijinhos
Fê Coelho.

terça-feira, 24 de maio de 2011

Sobre memórias


Se a vida nos permite levar algum patrimônio conosco por onde quer que vamos, esse bem são as memórias. Só elas nos permitem saber, de fato, quem somos, do que somos feitos e por que motivo nosso coração continua trabalhando.

As lembranças nos sinalizam nossa trajetória aqui nesse mundão velho sem porteira, como dizem as pessoas no meu querido estado de Goiás. Elas nos permitem traçar paralelos entre o que somos hoje e o que um dia fomos, de maneira que possamos corrigir algumas rotas erradas e projetar as próximas paradas. Elas nos guiam, como um retrovisor, nos avisando se algo ruim pode estar perigosamente perto, bem como nos fazem ver que algo importante está ficando para trás.

Mas não acredito que seja só essa a sua função: memórias nos fazem sentir prazer. Como não suspirar à lembrança de um momento feliz, de um dia de glória, de uma sensação inesquecível? Como não sentir novamente o gosto do sucesso, a emoção de um encontro, a felicidade de se ter alguém querido nos braços?

Algumas memórias, por outro lado, conseguem nos fazer lamentar. Note-se que, aqui, trato tanto de memórias tristes, quanto daquelas que simplesmente poderiam ter sido melhores. E é nesse ponto que entra uma das piores coisas que já tive a oportunidade de experimentar: o ressentimento. Porque ressentir é re-sentir. É sentir novamente a mesma coisa, mas com a tendência a torná-la pior. E, convenhamos, isso não compensa.

As pessoas têm falado muito em manter a autoestima, em reconhecer a própria aparência e em beleza interior. Acho tudo isso válido, mas quantas dessas pessoas realmente se aceitam? Estou falando de aceitar suas memórias, como quem aceita uma estria ou um nariz meio fora do eixo. Estou tratando de olhar-se com olhos mais compassivos e acolher os fatos da própria vida como uma cadeia de fatos, sem os quais não se chegaria ao mesmo resultado.

E é aí que entram novamente as memórias. Vale a pena retirar do baú algumas delas, espaná-las, lustrá-las, colocá-las todas em ordem e - em alguns casos, com um pouco de esforço - reconhecer a beleza que elas contêm. Compensa olhar a coleção adquirida, de bens inalienáveis e preciosos. E, principalmente, compensa se perdoar pelos ítens arranhados, quebrados ou por aqueles que talvez não devessem ter entrado para a coleção, mas que uma vez lá, são parte de quem você é.

Re-sentir uma situação não faz com que ela aconteça de maneira diferente: apenas faz com que o dono do ressentimento sinta-se miserável por algum (ou muito) tempo. Não há nobreza na lamúria. Não há glamour algum no "ai de mim".

Memórias são seus bens, sua essência, seu guia, seu prêmio e seu aprendizado. Respeite-as, admire-as, reviva as que merecerem esse ato. Respeite suas memórias, mas não se torture por nenhuma delas. Assim fica mais fácil seguir sendo feliz.

sábado, 14 de maio de 2011

Impressões.


O parque, o céu, o poente. Uma subida.
Crianças, cães, patinetes. Sombra.
O lago, os patos, as migalhas. A ponte.

Os pensamentos, as dúvidas, os compromissos. A lua.
O barulho dos tênis, as risadas, as conversas. O vento.
A bola de vôlei, a areia, a rede. O jogo.

As curvas, o riacho, o frio. A noite.
As luzes amareladas, as árvores, os passos. A calma.

O banco de praça, o coco, a pelada. As estrelas.
A respiração, o sabor, a vida.
E no meio de tudo isso, a paz!

quarta-feira, 11 de maio de 2011

Inacabado


- Você está começando a me conhecer. - Ela afirmou, olhando para o céu estrelado.
- E isso não é bom? - Ele questionou.
- Na verdade, não.
Levantou-se, sacudiu seus sonhos - jogando todos eles no chão - e tomou o caminho do desconhecido. Não olhou para trás.
- Não me procure em meus escritos. - Ela disse. - Posso simplesmente não estar lá.
E deixou atrás de si um rastro brilhante de coisas inacabadas.

segunda-feira, 9 de maio de 2011

Esse é pra comemorar!

Estou comemorando, rindo de orelha a orelha. Cheguei aos cinco mil acessos no blog.
Pode ser que as pessoas, sabendo do fluxo de informações internet afora, estejam até rindo da minha cara, mas, para mim, cinco mil acessos conta muito. Sabem por quê?

Porque quando uma pessoa escreve, ela põe seus sentimentos organizados em agrupamentos de palavras e, convenhamos, nem sempre isso é fácil. Dá trabalho, a gente se expressar da maneira correta. Até porque sempre há uma maneira melhor de fazê-lo. Daí vem outro trabalho: o de aceitar o que se escreve. O editor interno de qualquer escritor é razoavelmente cri-cri, para dizer o mínimo. E tem o senso do ridículo: um inferno. Quem aí escreve e já pensou em deletar tudo? Quem já se frustrou diante de uma tela em branco e uma ideia na cabeça? Quem já teve uma ideia que se recusou a virar palavras?

Pois passei por tudo isso e mais um pouco. Já escrevi rindo, já postei chorando. Já li e reli alguns textos que por um ou outro motivo são muito especiais. Já mandei meu editor interno pro inferno e agora escrevo com um pouco mais de liberdade.

Percebi, neste tempo de blog, que algumas pessoas passam e não voltam. Outras não passam, elas ficam e te fazem companhia. Algumas pessoas só acham interessante, outras enxergam suas mudanças, compreendem suas entrelinhas.

Sendo assim, eu queria agradecer a todos os meus leitores. Gente do céu, que coisa mais chique: meus leitores, assim com a boca cheia. Queria agradecer a todos que, com paciência, participam desse meu mundo maluco e  encantado de sonhos e palavras.

Um beijo enorme pra todo mundo.
Fê Coelho

domingo, 8 de maio de 2011

A beleza que se esconde do outro lado



Todos nós, seres viventes e razoavelmente pensantes, já descobrimos que temos uma tendência a enxergarmos apenas o nosso lado das situações. Não que isso seja um defeito: é apenas um fato. Costumamos prestar atenção e sentir o nosso amor, o nosso ódio, a nossa pressa. Enfim: os sentimentos são expressos na primeira pessoa do singular, via de regra.

Digo via de regra porque, em alguns momentos, nos pegamos prestando atenção ao outro lado. A isso chamam empatia - essa capacidade de se colocar no lugar do outro e imaginar como a situação se mostra para ele.. Se, por um lado, posicionar-se no lugar de outra pessoa pode ser uma furada - visto que pessoas assim como eu, com tendência a Madre Teresa ( em outro post vou falar sobre isso), podem se deixar manipular pelos outros -, por outro lado, esse modo diferente de pensar pode ser um presente, um  momento de clarividência que pode tornar um dia - ou uma vida - melhor. Eu explico.

Já falei aqui no blog sobre as delícias da maternidade. Já discorri sobre o amor incondicional e desvairado que toma conta de nós mulheres no momento em que adquirimos a credencial de mãe. Expliquei o quanto sou feliz e realizada por desempenhar esse papel que - pela minha parca experiência de vida, pude perceber - é uma vocação.

Inúmeras vezes, já me peguei a pensar sobre como poderia ser feliz sem ter alguém para receber esse amor tão grande e intenso. Sim, porque o amor de mãe exige ser entregue. Ele não se aquieta até que o tenhamos externado. Então, leitores que não têm filhos, paciência. Tenham paciência quando suas mães lhes disserem pra pegar a blusa de frio, quando reclamarem de seus horários ou implicarem com algum amigo que vocês consideram MARA. O amor que as mães sentem beira o divino. E, por isso, acho que Deus nos concede uma visão mais apurada das situações.

De qualquer maneira, esse texto não se destina a falar do nosso amor. Hoje eu quero falar da contrapartida. Vamos falar do amor dos filhos, só pra variar.

Como filha, já passei por várias fases, até chegar ao momento em que tudo se tornou claro pra mim. Já fui adolescente reclamona e já deixei de seguir os conselhos maternos. Acreditem: isso não compensa! Hoje vejo meus pais de uma maneira que nunca vi antes: como pessoas, assim, de carne e osso, sem a aura divina e a capa de super-heroi. Vejo meus pais como dois seres humanos magníficos que Deus, sabendo de minhas limitações, escolheu para me guiarem por esse mundão afora. Compreendo que eles têm seus defeitos, mas que têm uma experiência de vida que eu só vou adquirir daqui a uns bons anos (isso se). Entendo o amor maluco que eles têm por mim e que tudo o que mais querem é que seus filhos sejam felizes. Porque é isso o que os pais fazem: eles se descabelam entre um compromisso e outro, entre um conflito e outro, ao longo dos dias, tentando acertar, só para que possamos ser felizes.

Enxergar isso, por si só, já seria motivo para muita felicidade. Acreditem: nem todos os filhos conseguem transpor a barreira da adolescência e passam a vida tentando se distanciar dos pais. O que gostaria de falar hoje, é sobre um momento maravilhoso que experimentei essa semana: o de me ver, enquanto mãe, testemunhando o amor de uma filha.

Comparecer à homenagem do dia das mães tem dessas coisas: as crianças todas eufóricas, com olhinhos ansiosos, cada uma procurando sua genitora. E quando isso acontece... Mamãããe! Aquele grito sai como se fosse arrancado do peito, e a criança se põe a mostrar a sua mãe para os amigos: olha lá, ela veio, eu disse que ela vinha! É dispensável dizer que eu, chorona de carteirinha, fui pródiga em lágrimas.


 A apresentação foi linda, mas o inesquecível mesmo foi ver minha filha cantando e olhando diretamente pra mim! Sim, gente, pra mim e só pra mim! E então entendi que, naquele momento, ninguém mais no mundo era tão importante quanto eu. Ninguém mais no mundo era tão encantadora e tão revestida da mesma aura que eu via nos meus pais. Nenhuma outra mãe era digna daquele olhar de devoção que, de graça, eu merecia.

E foi a beleza de poder enxergar o outro lado das situações me fez perceber que eu nunca me sentira tão amada em toda minha vida.

Um feliz dia das mães para todas vocês que desempenham com amor essa vocação. E para vocês, filhos, parabéns por serem dignos de um amor tão puro.

Beijinhos
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