terça-feira, 29 de março de 2011

Carta a uma personagem.

 


Rafaela, querida.

Preciso dizer que estou me despedindo de você – por pouco ou muito tempo, não sei ao certo. As coisas estão um bocado confusas e, sinceramente, não tenho mais a disposição de espírito necessária para bem escrevê-la.

Você precisava de uma autora que fosse puramente feliz, tivesse uma vida que achava ser a ideal. Confesso que, no momento, depois de todas as coisas que me aconteceram, não posso ser o que você precisa. Não tenho mais a nobreza de sentimento, a doçura e a inocência suficientes para falar de você – pelo menos não da maneira que você se apresentou no início de nossa convivência.

Lembro-me daquela tarde, em que você começou a me importunar. Foi engraçado, coisa de esquizofrênico. Você me veio, com seus cabelos cor de chocolate, sua livraria e seu relacionamento perfeito com um pianista – relacionamento esse que, por sinal, não vingou. Falou-me de seus defeitos, descreveu-me seu comportamento e mostrou-me uma vida com a qual eu não poderia sonhar. Ah, Rafa, minha personagem querida, você me falou de um mundo ao qual eu não poderia pertencer, mostrou-me a vida que não era, mas que eu acreditava ser possível. E você me perseguiu com essa sua insistência, que só eu e você conhecemos. Torturou-me com seus dilemas éticos e problemas, deliciou-me com suas histórias; instigou-me com cenários que, embora inexistentes, mostravam-se perfeitamente factíveis. Muitas coisas, posso dizer num momento de extrapolação absoluta, vivemos juntas. Eu estava ali e, sinceramente, não sei quem dependia de quem.

Mas os dias não deixaram de passar e, daqui deste lado da tela, a vida mudou. Hoje não sou a autora que, tão ingenuamente, se deixou levar por seus encantos e por sua vida pintada em tons aquarelados. É pena que você não possa compreender – visto que eu sempre soube dos seus problemas e, ainda assim, não os explicitei – o poder que dias adversos podem ter. Se por um lado é uma pena que você não saiba o que se passou do lado de cá, é pesar ainda maior o fato de eu não ter tido a capacidade de compreender o seu mundo. Porque, a essa altura do campeonato, você bem poderia estar livre de mim, povoando outras mentes que lhe dariam outras feições e outros trejeitos, enquanto folheassem as páginas de um livro doce e bonito. Acredito que, quem sabe – apenas quem sabe – a vida possa ser bastante divertida assim.

De qualquer forma, Rafaela querida, é melhor deixar o lamento de lado. Sempre haverá uma página em branco na tela, onde pisca um cursor matusquela. Haverá sempre uma chance de que você encontre a autora ideal para os seus dramas. E, se fizer questão de que essa autora seja eu, é melhor se preparar para me aceitar como estou e estarei daqui para frente: em transformação. Estarei mais ácida, talvez mais irônica. Acha que poderá lidar com isso?

Se a saudade apertar pra valer, me procure. Estarei sempre aqui, em busca de uma boa história para escrever – história essa que poderá ser a sua.

Um abraço saudoso da sua autora, ouvinte, confidente e criadora.

Fernanda Coelho.

sexta-feira, 4 de março de 2011

O conforto que vem dos livros



Algumas pessoas costumam dizer que bebem para esquecer. Ah! Se elas soubessem o conforto que um bom livro traz, não ficariam brincando com a dosagem de suas pobres enzimas hepáticas.

Há, na vida de todos nós, momentos em que a realidade não é - nem de longe - convidativa. Ao contrário: às vezes juntamos tanto lixo mental, tantos arranhões e hematomas em nossa - por vezes tão frágil - psique, que precisamos nos afastar por um tempo. E não estou falando em afastamento das pessoas ou dos lugares. O distanciamento, por vezes, precisa ser de nós mesmos - para poder suportar os fatos, para respirar um pouco ou simplesmente para não enlouquecer. E nesses momentos as pessoas recorrem a vários modus operandi.

Algumas pessoas resolvem enfiar tudo para debaixo do tapete e fingir que suas vidas são perfeitas e fluem em absoluta harmonia. Essa não é uma boa opção. Acreditem, eu sei do que estou falando. Testei esse método por anos, sem sucesso. 

Outras pessoas resolvem "pirar e deixar rolar". Também testei essa aí nos últimos dias. O resultado é parcialmente satisfatório. É bom pirar de vez em quando, porque ficar todo o tempo com as comportas fechadas gera inundação. Instala-se um processo de angústia filha-da-mãe, que não caberia nem sob o maior tapete do mundo. Abrir as comportas gera alívio, mas a quantidade de coisas represadas vai destruindo a paisagem no caminho e não se sabe bem o que pode sobrar depois disso. Mas uma coisa é fato: o que sobra deu mostras de ser suficientemente forte e de que merecia ter permanecido de pé.

A desvantagem do método "piração total" é que cansa. Pensar o tempo todo sobre o mesmo problema, suas causas e desdobramentos consome energia demais. O resultado disso é um esgotamento emocional sem precedente.  E, acredito eu, talvez seja nesse momento que as pessoas começam a destruir o próprio fígado.

Considerando que não tenho vocação para a sarjeta, que prezo pela minha dignidade, detesto ressaca, e que vislumbro prados verdejantes para além da tempestade, o famoso "beber para esquecer" está totalmente fora de cogitação!



É nesse ponto que entra a leitura. Ao abrir um bom livro e correr os olhos pelas primeiras páginas, a depender do talento de quem escreve e da disposição de quem lê, pode-se facilmente desligar de si mesmo. E que sensação maravilhosa, a de viver os dilemas, anseios e problemas de outro ser - mesmo que imaginário. Que bom se entregar ao esvaziamento de mente, à preguicinha de folhear e montar, nem que seja por pouco tempo, uma realidade menos dura. 

Porque os livros fazem isso por nós. Eles são a realidade que não foi. A vida que deixou de ser e que, exatamente por isso, nos encanta.  Porque quando um bom livro nos toca, pode a vida estar de cabeça pra baixo, pode estar tudo uma bagunça. Haverá, contudo, um bom lugar para repousar a mente e esperar só mais uma página para voltar ao cotidiano.

Só mais uma... e mais uma... só mais um pouquinho...

Beijinhos
Fê 
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