terça-feira, 21 de dezembro de 2010

Querido Papai Noel

Achei que não fosse postar nada sobre o Natal, mas tenho recebido um bocado de mensagens carinhosas. Então acredito que pode cair bem, uma cartinha para o Papai Noel.


Querido Papai Noel.

Nesta carta peço coisas para mim, para meus amigos, para pessoas que me são caras e para as que são caras aos meus amigos. Sei que vai parecer muita coisa, mas Papai Noel, sei que o senhor dá um jeito.

Sinto muito e espero que o senhor não se zangue comigo, porque o que vou pedir não se fabrica ou se compra. Aí vai a minha lista:

Para os meus amigos que se comportaram e fizeram tudo certinho, na hora certa e do jeito certo,
traga um bocado de flexibilidade, um tantinho saudável de rebeldia e uma subversão inocente. Traga vontade de experimentar e de viver coisas novas.

Para os meus amigos que fizeram tudo errado, do jeito errado, com a pessoa errada e na hora errada,
traga juízo, Papai Noel, muito juízo. Assim eles vão precisar de menos band-aids emocionais.

Para os meus amigos que só comeram vegetais saudáveis, frutas orgânicas, que malharam todos os dias e que viveram numa busca frenética por uma juventude eterna, traga batata frita, um dia de vadiagem, e um espelho decente que mostre a beleza real que todos temos.

Para os que não fizeram nada disso aí, traga bom senso e vontade de cuidar de si mesmo.

Para as minhas amigas que cuidaram dos filhos, do marido, dos amigos, do trabalho e que, depois de tudo isso, estavam muito cansadas para cuidar de si mesmas, traga um tantinho de egoísmo saudável e o entendimento que só podemos cuidar do outro se estivermos bem.

Para quem se frustrou por esperar demais do outro, traga tolerância e paciência.

Para quem reclamou da vida, traga rédeas e ensine-os a usá-las para que entendam que são os responsáveis pelo próprio destino.

Para os meus amigos blogueiros, traga paz, saúde, amigos e ideias (muitas ideias, Papai Noel).

Para os meus amigos que não leem, traga o hábito da leitura.

E para os que leem demais, traga o hábito do descanso.

Pra todo mundo, traga vários dias felizes e a capacidade de reconhecê-los.

E traga, querido Papai Noel, tudo embrulhado bem bonito, que é pra gente perceber que tudo isso aí em cima são presentes bons e dos grandes.

Um grande beijo pra todo mundo que se aventurou pelo meu mundo meio maluco de palavras e sonhos.
Que vocês tenham um ano maravilhoso.

Beijão.


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terça-feira, 14 de dezembro de 2010

Encomendas


Tragam-me a praia, com areia branca, água fresca e vento cálido.
Tragam-me o sol, a maresia e uma cerveja gelada.
Deixem-me espreguiçar e sorrir à toa.

Tragam-me lençois de água límpida, com peixinhos coloridos.
Tragam-me um vestido branco esvoaçante, um chinelo de palha e todos os clichês.
Deixem-me brindar a calma e sorver a vida aos tragos.

Porque já estou de malas prontas.
Porque já estou de saco cheio.
Porque quero tudo e sem demora.
Porque, Deus do céu, estou escrevendo em versos.

Tragam-me uma praia gelada, uma cerveja límpida, um chinelo branco e um vestido de palha.
Porque a autora aqui já está pirando.

sexta-feira, 10 de dezembro de 2010

O que você vai ser, menina?


- Diga-me, menina, o que vai ser quando crescer?
- Desculpe-me mas já cresci e já tenho profissão.
- Você não está entendendo. Estou perguntando o que você vai ser quando crescer - e não que profissão vai seguir.
- Ah sim.

A menina ficou pensativa.

- Eu disse que já cresci. Já tenho vinte e oito anos.

- E eu continuo a querer saber: o que você vai ser quando crescer? O que vai ser quando se vir livre do que as pessoas esperam de você, da obrigação de agradar, da ansiedade de conquistar, da necessidade de provar? O que vai ser, menina, quando entender que estamos todos crescendo o tempo todo, quando perceber que suas escolhas antigas não são preditivas de suas escolhas atuais, quando finalmente aceitar que você está sempre crescendo e pode mudar? O que vai ser, menina, quando se desfizer das convenções, dos tratados implícitos que ninguém assinou, das boas maneiras que vêm sabe Deus de onde? E o que vai ser, menina, quando finalmente entender a grandeza da pergunta que te fiz?

A menina continuou calada

- Diga-me, menina, o que vai ser quando crescer?

A menina sorriu, parecendo entender.

- Vou continuar pensando e, daqui a algum tempo, eu te respondo.


Beijinhos

quarta-feira, 8 de dezembro de 2010

Sabe? É aquela que...



Ontem à noite, quando eu cheguei para trabalhar, as pessoas estavam falando sobre um funcionário que falecera no final de semana.

- Sabe o fulano? Aquele que trabalhava no setor tal?
- Sei não. Um que era assim e assado?
- Não. Um que era assim, assim e assado. Que estava afastado.
- Ah, sei. Nossa, mas ele era tão novo...

E por aí foi a conversa. E sabe quando alguém solta a frase que vai te valer o dia todo? Pois aconteceu ontem.

Quando eu já estava quase saindo do vestiário, uma outra funcionária fez a seguinte observação: todo mundo tem uma marca, características que te identificam, quando alguém precisa explicar quem você é. E essa marca, independente de aceitarmos ou não o fato, somos nós quem construímos.

E eu fiquei com meus pensamentos. Alguns (ou vários) amigos já me disseram que eu penso demais. E penso mesmo! Me arrebento de pensar, de tentar ver as coisas de outro jeito, de tentar entender e de tentar melhorar. Porque eu acho que viver só pra gastar o O2 disponível no planeta é pouco.

Então, como sempre, eu pensei. Muito.

Fiquei imaginando qual seria a minha marca. Teci mentalmente conversas amenas, em que as pessoas me identificavam como Aquela, baixinha, de cabelo loiro, que vivia rindo e que andava parecendo que desfilava... ou outras bem mais assustadoras como aquela baixinha, que falava demais e ria o tempo todo, parecendo que não tinha mais nada pra fazer na vida. 

Não acho que podemos controlar a maneira como as pessoas nos veem, mas a maneira como nos apresentamos. E no fim das contas, tudo isso aí passa pelo crivo do amadurecimento - o que, no meu caso, tem demandado esforço e muito matutar.

 Embora meu pensar não tenha me elucidado qual é a minha marca, visto que para isso seria necessário muito feedback (e feedback às vezes doi), ele me mostrou o que absolutamente não quero ter como característica definidora.

Não quero ser conhecida ou lembrada pelo mau-humor, nem pela maldade ou pela ganância desmedida. Deus me livre de carregar o estígma de reclamona, fofoqueira e traíra. E deve ser terrível de verdade - batendo na madeira agora - ser lembrada (ou esquecida) por ser uma pessoa assim, assim, sem sal, açucar ou tempero. Aquela pessoa que passou a vida inteira ali e não deixou marca nenhuma.

Se eu não quero nada disso, então o que quero?

Essa é fácil. Quando eu não estiver mais por aqui, quero que me lembrem como uma pessoa intensa, que não teve medo de batalhar, que se jogou na vida e a encarou de frente. Quero que se lembrem que eu sorria muito, que me esvaía em doação, que comigo não tinha tempo ruim. Quero que se recordem que eu era meio doida e muito apaixonada. Quero que se registre meu amor alucinado, incondicional e incessante por minhas filhas e que se recorde minha ânsia por viver.

Se é isso que vai acontecer? Não tenho a menor ideia. Mas vou aqui e acolá tentando pisar nos lugares certos, para que as pegadas que deixar atrás de mim conduzam a um lugar melhor.

Beijinhos



 

quinta-feira, 2 de dezembro de 2010

Tem um post entalado aqui.



Tem um post entalado aqui. Juro que tem. E quando ele sair não vai ser bonito.

Não vai ser floridinho, nem cheio de fru-fru. Não vai ter senso de humor, nem palavras rebuscadas. Não vai evocar saudade nem deixar ninguém suspirando.

Vai ser objetivo, argumentado e articulado. Vai sair espasmódico, rasgando o silêncio e voando pelo teclado. E depois vai ser saboreado, lapidado e modelado.

Porque cada palavra deverá ter o seu lugar exato. Porque quero que me compreendam, sem margem para interpretações. Porque quero que saibam o que me incomoda e com o que me recuso a ficar conformada.

Pode ser que ele nem chegue a ser lido, visto que não será divertido de ler. Mas pode ser que seja lido além da conta e me traga um problemão.

Alguns posts irão me ajudar a modelar as ideias, até que o post final esteja pronto. Mas já tenho uma noção da temática e vou dizer sem demora, para que possamos inclusive discutir previamente: Num mundo cão, somos todos putos.

Ah, minha Nossa Senhora da Churupita! Tem um post entalado aqui. E quando ele sair não vai ser bonito.

Beijinhos

quarta-feira, 1 de dezembro de 2010

Alguns seres imaginários, de onde vêm e para que servem.


Quem nunca ouviu uma história envolvendo lendas e seres folclóricos quando criança que levante a mão. Alguém? Ninguém? Ótimo.

Quem aqui se lembra de já ter sido apresentado a lendas totalmente descabidas para explicar coisas que os adultos não conseguem, não podem ou simplesmente têm vergonha de elucidar?

As lendas estão presentes em todas as culturas conhecidas. Elas são a mistura de fantasia e realidade e têm a característica da tradição oral. Sabem aquela história de quem conta um conto aumenta um ponto? É por aí mesmo. As pessoas usam fatos históricos ou acontecimentos reais para dar suporte às suas histórias e elas vão sendo transmitidas.

No geral, as crianças são apresentadas a muitas lendas e contos. Algumas dessas histórias servem para incutir valores, explicar fenômenos ou simplesmente distrair os pimpolhos.

Vamos a uma lista que inclui seres lendários e personagens de contos já conhecidos e alguns que vocês terão o prazer de conhecer (esses são invenções nossas aqui em casa)

1- Papai Noel. Vindo diretamente do Pólo Norte, o Bom Velhinho trabalha o ano todo incessantemente, para levar presentinhos a todas as crianças. Serve como argumento e moeda de troca para o bom comportamento das crianças durante o ano.

2- Coelhinho da Páscoa. Outro ícone estimulante de bom comportamento, o Coelhinho da Páscoa é bastante utilizado pelo comércio. Difícil explicar a mistura de coelhos e ovos, mas já que é lenda... Não se sabe de onde ele vem, nem pra onde vai. Dizem que o coelho é símbolo da fertilidade (pudera), mas não creio que seja esse o intuito dos ovos.

3- Cinderela. Personagem principal de um conto mais antigo que o guaraná de rolha, a Cinderela é o ícone da sofredora. Pobre coitada, às voltas com vassouras e sujeira, tendo que aturar as irmãs e a madrasta. O que me espanta é o fato de ela ainda ser obediente à fada madrinha. Imagina se depois de tanta ralação eu ia querer ir para um baile e voltar antes da meia noite? Ah não. Precisaríamos discutir isso aí melhor. Acho que a história da Cinderela serve para mostrar que divórcios e madrastas são coisa do cão.

4- Cuca. Dos recôndidos do Sítio do Pica-pau Amarelo para o mundo, a Cuca me matava de medo. Eu podia ouvir a sua voz nos meus sonhos. Acredito que ela servia para antagonizar as histórias do Sítio, dar um tempero e pra atemorizar as crianças mesmo.

5- Lobo Mau. O Ferrado preferido dos contos infantis. Ele nunca se dá bem. Em qualquer versão da Chapeuzinho Vermelho o Lobo só se ferra. Ou morre, ou tem a barriga cortada, ou as duas coisas. Na história dos três porquinhos, ele fica tostado. Coitado. O melhor Lobo Mau que eu conheço é o da Chapeuzinho Amarelo, do Chico Buarque de Holanda: "um lobo que nunca se via, que morava lá pra longe, do outro lado da montanha, num buraco da Alemanha, cheio de teia de aranha, numa terra tão estranha, que vai ver que o tal do lobo nem existia". O lobo do Chico é o máximo. Ficou estressadíssimo quando viu que a Chapeuzinho não tinha medo dele. Os outros lobos servem pra dizer que quem é mau se ferra. O do Chico serve pra fazer uma sátira maravilhosa.

6- Fada do dente. Sabe Deus de onde ela vem, mas acho que deve ser da casa do último banguela de plantão. Serve para ajudar as crianças a tolerarem a perda dos dentinhos com mais serenidade. Dizem que ela deixa uma moeda debaixo do travesseiro, em troca do dentinho que se foi. No caso, ela saca a moeda da minha conta e coloca lá. Pense numa fada mala.

7- O Duende do mamá. Inventado aqui em casa, o Duende do mamá tem a finalidade de fazer as crianças deixarem a mamadeira sem choro. Trata-se de um duende velhinho e dentuço que, de tanto mamar ficou feio. Então ele resolveu que daria um copo bem bonito para as crianças que deixassem de usar a mamadeira. Gente. Eu juro que funcionou.

8- A Bela Adormecida. Essa eu estou colocando nem sei porquê. Acho que a Bela Adormecida não tem função nenhuma. Todos os talentos que ela tem foram dados por fadas - ou seja, ela não teve que ralar para conseguir nada. Nem o Príncipe Encantado! Tudo vem de mão beijada pra Aurora. Não gosto dela. Que me perdoem os fãs, mas uma mulher que dorme 100 anos, pra mim, não tem valor nenhum.

9- O Velho do Saco. Quem nunca ouviu falar no velho do saco? Aquele que pega as crianças. Bem, aqui em casa, ele tem uma função! Ele vive na escada de incêndio do prédio (único lugar que não tem câmera) e pega as crianças e - pasmem - raspa o cabelo pra fazer pincel. Com essa ninguém brinca onde não deve! Claro que tem uma observação: ele se pela de medo de mim. Então, quando é necessário e quando estiver com a mamãe e o papai, o Velho do Saco não vem.

10 - A Bela (de a Bela e a Fera). Esse ítem é só pra dizer que sou fãzoca dela. Corajosa, culta e nada convencional, a Bela conseguiu ir além dos preconceitos e enxergar a beleza até mesmo em uma criatura estranha. Sem contar que ela é linda e gosta muito de ler. Pra que serve? Sei lá! Só sei que eu gosto.

Beijinhos

terça-feira, 30 de novembro de 2010

Sobre o dia em que obdeci aos meus sapatos.



Há alguns dias eu quis me sentar no chão do metrô, mas não pude.
Se havia espaço? Sim. Havia espaço de sobra. E não, não havia bancos disponíveis.
Se minha roupa poderia ficar estragada? Não. Eu estava de calça jeans.
Se eu estava cansada? O suficiente para cogitar a possibilidade de me sentar no chão.

Então o que (seria mais adequado dizer "quem") me impediu? Meus scarpins. Ok, eu sei que a resposta foi estranha - pra dizer o mínimo - mas eu posso tentar justificar, não? Vamos aos argumentos.


A despeito do aviso de que é proibido se agachar ou sentar no piso dos trens, várias pessoas sucumbem à tentação. A volta para casa é longa, não há bancos para todos, estão todos cansados e essas coisas que quem usa transporte coletivo conhece. Assim sendo, é perfeitamente corriqueiro ver várias pessoas sentadas no soalho nas extremidades dos vagões. Alguns inclusive se apoderam do espaço reservado para usuários de cadeira de rodas, entretanto essa é conversa para outro post.


Eu devo dizer que por duas vezes já me juntei à turba dos "sem- assento", mas eram dias difíceis. Acontece que o dia em questão havia sido um desses dias complicados. Eu estava mor-ti-nha de cansaço. Então por que não me sentei no soalho do trem? Já disse. Meus scarpins não me deixaram.

Foi um diálogo mental, o que se deu quando minhas pernas começaram a fraquejar.

- Que diabos você pensa que está fazendo? - eles perguntaram enfurecidos.
- Vou me sentar. - respondi irritada.
- Ah sim, ela vai se sentar - disse o sapato esquerdo para o direito. (o sapato esquerdo é mais liberal)
- Nem F@#&ndo, ela vai se sentar no piso do trem.
- Mas tem um monte de gente sentado! - eu argumentei.
- Sim, tem um monte de gente sentado - disse o scarpin esquerdo, meu favorito (tudo bem que eu sou canhota)
- Mas observe as roupas de quem está sentado no chão! - Exigiu o chato scarpin direito.

E eu observei.

As pessoas largadas no chão estavam de bermudas, calças jeans, sandálias rasteirinhas e tênis. Todas com roupas informais e descontraídas.

- Está vendo? - disse o scarpin direito - Não tem uma só pessoa de scarpins sentada no chão.
- Sim, estou vendo - pensei eu, mal humorada, reconhecendo que ele estava certo. - Você é um chato, insuportável.
- Que seja, minha filha, mas mantenha o mínimo de dignidade. Você quis ir para o trabalho usando scarpins. Sabia que passaria doze horas de pé e que teria que voltar para casa de metrô. Você sabia de tudo e, ainda assim, nos tirou do armário. Agora aguente firme. Não vá perder a classe no último instante.

Olhei para o scarpin esquerdo, procurando um pouco de apoio. Ele estava assoviando. Filho da puta!

Morta de cansaço, desalentada e traída, eu terminei a viagem de trem em pé - cheia de uma dignidade pra lá de dolorida.

Quanto aos sapatos palpiteiros? Bem, eles não saíram do armário depois desse dia.

Beijinhos

sexta-feira, 19 de novembro de 2010

Desisto da guerra



Meus queridos amigos.

Estou aqui hoje para dizer que desisto. Desisti de ser e fazer somente o que eu quero e de não aturar aquilo que me irrita. Desisti de ignorar as pessoas irritadas comigo, por não fazer o que todo mundo faz. Entendi que precisamos fazer o que é necessário e que não importa se você adora ser um azul berrante, caso ele distoe demais num quadro todo em tons bebê - claro que isso aí poderia ser a graça da obra, mas enfim...

Compreendi que, embora as pulsões se originem dentro de nós, isso não impede que sejam modeladas e moderadas pelos valores e expectativas das pessoas ao nosso redor. E percebi: essas pessoas esperam que você se enquadre. E acredite: mais cedo ou mais tarde você vai se enquadrar.


Não que isso seja só uma coisa ruim. O que algumas pessoas podem chamar de sucumbir, amansar o espírito, e ser domesticado pode - sob outro ponto de vista, sempre outro ponto de vista - ser chamado simplesmente de amadurecimento.

Quem vê esse tipo de texto pode pensar que sou uma pessoa avessa às convenções sociais. Pelo contrário, sou até uma criatura muitíssimo normal. Mas algumas coisas - algumas pequenas coisas - eu gostava de fazer do meu jeito.

Uma dessas míseras concessões que fazia a mim mesma era me ver livre do telefone celular, e já expliquei aqui os motivos para isso. Mas, em virtude das pressões sociais, eu me rendi. Peguei o bicho de volta, mandei consertar a pecinha que estava quebrada, pus para carregar e agora estou em fase de condicionamento - para me obrigar a manter ele carregado e perceber quando ele toca.

Acho que mudar faz parte da vida e de ser uma pessoa melhor. Em alguns casos, bater o pé e querer ficar como éramos é sinal de que a pessoa não quer crescer. Bem, pois eu abro mão da minha síndrome de Peter Pan. Vou crescer até onde puder. E vou me adequar, dentro do que achar necessário.

Vou ter metas e objetivos claros, bem traçados e planejados. E vou aprender a manter o raio do telefone celular funcionando. Quem sabe, quando eu estiver acostumada com ele, eu me dê um telefone bem "modernoso" de presente.

Falando nisso, onde foi que eu deixei ele mesmo?

Beijinhos

terça-feira, 16 de novembro de 2010

O Resumo da Felicidade


Então aquilo não era um sonho. Estava mesmo sob aquela luz pálida de um dia que nasce. A pouca claridade se filtrava pelas frestas da janela e ela suspirava, tentando assimilar a grandiosidade de tudo o que se passara.

Sua vida seria outra dali para frente. Teria outro sentido. Ela se recostou melhor nos travesseiros e sorriu. Tranquilamente. Esperando por respostas que passaria a vida para tentar encontrar. Antecipando o sabor de cada descoberta. O futuro lhe sorria, misterioso, imprevisível, inabalável. Ela não tinha medo.

Queria acertar. Desejava poder fazer tudo certo e aproveitar cada um dos dias que se descortinavam à sua frente, como as promessas de uma manhã ensolarada, sem nuvens ou perturbações.

Seria o melhor que pudesse. Sensata, corajosa, amorosa, criativa, brava, carinhosa, responsável. Erraria querendo acertar, acertaria quando achasse que estava errada. Teria hábitos saudáveis, mudaria o mundo, faria greve de fome, de sono e de compra de sapatos. Viraria o rosto se passasse por uma vitrine em liquidação. Faria mil coisas ao mesmo tempo. E não se cansaria de tentar, de repetir e de viver.

Virou o rosto para o lado. Viu os primeiros raios de sol do dia, iluminando aquele pequeno ser de respiração acelerada, de olhos fechados e boca entreaberta, imerso num sono tão tranquilo, que só poderia ser o resumo da própria felicidade.



Para quem gostou do assunto, vale dar uma olhada em algumas reflexões sobre a maternidade e também na maneira como aprendi a diferença entre agradecer e se sentir grato.


Beijinhos

sábado, 13 de novembro de 2010

Sete vidas


Susana acordou diferente esta manhã. Sei que ela sente saudades da cidade em que vivíamos. Sei também que nunca mais foi a mesma, desde o dia em que disse adeus ao homem que amou durante tantos anos. Eu ouvi o barulho de seus movimentos na cama. Sei que ela não dormiu bem.

Se eu pudesse, ensinaria alguns segredos a ela. Se pudéssemos conversar, diria a ela que tudo isso passa e que o tempo ensina coisas que não imaginamos. Se ela ao menos me ouvisse...

Percebi quando Susana se levantou. Vi quando ela colocou seu melhor vestido e penteou os cabelos, prendendo-os em um coque, da mesma maneira que costumava fazer para sair com o marido. Ela sempre se fazia bonita para vê-lo. Era assim que as coisas eram. Sei que ela sente falta de tudo.

Ouvi seus passos solitários e silenciosos, caminhando até a porta. Ela saiu de casa e caminhou até a praia. Eu a segui até onde as ondas chegavam de leve. Susana ficou parada, olhando para o horizonte. Uma lágrima rolou de seus olhos. Ela passou os braços ao redor de sua cintura e inesperadamente sorriu.

Talvez ela tivesse finalmente compreendido que a vida sempre segue o seu curso. Talvez ela houvesse entendido que, embora seja um lugar-comum, as águas sempre correm para o mar. Susana estava finalmente se despedindo de seu marido da maneira que devia.

Ela soprou um beijo para o infinito e sorriu novamente. Afinal de contas, embora Tony não estivesse mais vivo, ela ainda tinha uma vida para tocar.

Eu sorri por dentro, sabendo que, se Susana ainda tinha uma vida, eu tinha sete.

sexta-feira, 12 de novembro de 2010

Uma lembrança em dourado



Larissa sentiu o frio do metal dourado em seu dedo anelar esquerdo.

- Larissa, recebe essa aliança em sinal do meu amor e da minha fidelidade.

E ela já não ouvia nada.

Estava na praia, num final de tarde alaranjado e fresco. Caminhava com pés descalços, segurando as sandálias na mão direita. O vento brincava com seus cabelos, jogando-os em seu rosto e embaraçando as madeixas cor de fogo. Não tinha preocupações ou grandes questionamentos espiralando em sua mente, mas caminhava para esvaziá-la do pouco que lá havia.

Em dado momento, sentou-se para admirar o mar. Havia poucas pessoas na água tingida de ocaso. Ela estava tranquila.

- Está bonito mesmo, não?

Larissa sobressaltou-se. Não conhecia aquela voz e nem esperava encontrar alguém sentado ao seu lado. Aquele era um momento só seu. Não queria dividi-lo. Irritou-se.

- Desculpe, mas não te conheço.
- E precisa me conhecer para aceitar o fato de que esse por-do-sol está divino?

Levantou-se e ia saindo de perto do moço de olhos negros e sorriso travesso, quando sentiu uma mão ao redor de seu pulso.

- Me faça companhia. Quero dividir esse por-do-sol com uma bela mulher e você é a única disponível num raio de quilômetros.
- Lisongeiro, mas atrevido demais para o meu gosto. Eu vou nessa, garoto. Fique aí com sua falta de companhia adequada.
- Falo sério. Por favor, me faça companhia e eu te pago um sorvete de limão. Parece ser o seu sabor favorito.
- Ameixa seria melhor - e ela sorriu pela primeira vez.
- Ameixa, então.

Larissa piscou. Uma lágrima rolou por sua bochecha. Rubens ainda tinha o mesmo sorriso travesso do primeiro encontro.
- Eu te amo - ela disse.

E Rubens beijou-lhe a mão adornada de dourado.

quarta-feira, 10 de novembro de 2010

Selinho

Acordei meio com preguiça hoje. Já estava quase cabulando o login do blogger, mas resolvi que queria postar alguma coisa. E foi quando encontrei a surpresa: A Mi, do Blog da Michele me deu o selinho de presente. Muito obrigada, Michele, pelo carinho.

Agora vou indicar cinco blogs que deverão:
1- Exibir a imagem do selo
2- Exibir o link do blog que te indicou
3- Escolher cinco blogs para indicar o selo e avisá-los.

sexta-feira, 5 de novembro de 2010

A Ex



Encontrei-me com Elisângela em frente à nova butique num dia frio de julho. Era uma quarta feira e eu me arrastava de volta do trabalho para casa. Estava cansada até a raiz dos cabelos, mas conseguia manter o mínimo de dignidade sobre meus saltos 15.

Lá vinha ela, loura e alta, com um casaco sete oitavos creme lindíssimo, uma calça reta e scarpins que me fariam penhorar meu anel de diamantes mais raro – caso eu tivesse um. E eu aqui, morta de cansaço, segurando uma sacola de marca com uma marmita dentro – claro, tomando o cuidado de cobrir tudo isso com um lenço de seda lindíssimo.


Ela se aproximava tranquilamente, com o andar despreocupado e fluido das mulheres que não precisam de nada além de belos brincos e cabelos hidratados na cabeça. Como eu detestava vê-la assim, serena. Queria que ela fosse obrigada a pegar metrô e a andar à pé. Queria que ela enfiasse o salto nas frestas das calçadas, e que se descabelasse entre um compromisso e outro. Desejava ardentemente que ela ficasse semanas sem fazer a unha e que tivesse que aprender a se virar sozinha. Queria que ela tivesse que comer marmi...


- Elis, querida. Tudo bem?

- Oi Ana. (Dois beijinhos, aqui). Tudo certo e você? Como vão as crianças?
- Estão ótimos. Me divirto muito com eles.
- Ana, querida. Mas que blusa maravilhosa você está usando! Ficou tão bem em você.
- Ah, sim. (Cara de esnobe, aqui). Comprei essa blusa numa viagem recente a trabalho. Era uma lojinha pequena e super charmosa na Champs Élysées. Custou uma fortuna, mas de vez em quando é bom a gente se dar um presente, não?
- Claro que sim. (Um sorriso irônico aqui. Será que ela desconfia de mim? Vaca!). Depois me passe o nome da loja. Será um prazer visitá-la na minha próxima ida a Paris.
- Sem problemas. Aposto que a Claire vai te atender como a uma rainha.

Mais dois beijinhos e ela se foi, andando fluidamente como se o mundo estivesse parado ao seu redor.


E eu fiquei aqui, na mesma calçada pensando se ria ou não. Ela nunca saberia a real origem da blusa. Nem sob tortura eu contaria que a encontrei num monte de roupas em promoção numa loja de departamentos em Quiriquiqui da Serra, quando fui visitar meus parentes. Jamais confessaria que dei uma cotovelada numa velhinha de setenta e dois anos, que queria levar a malfadada blusa para uma neta de vinte e cinco anos, cega e que fazia aniversário naquele dia. Elisangela poderia enfiar agulhas sob as minhas unhas, mas eu nunca admitiria o fato de ter passados quase um dia inteiro rebordando a estampa da blusa, para que ela parecesse mais refinada. E você se engana redondamente se acha que vou contar como isso tudo aconteceu depois que a vigarista da Elisangela me roubou o meu marido.



Soltei uma gargalhada e pensei: Deus conserve essa vaca longe de Quiriquiqui da Serra. Ainda bem que o Mario nunca gostou da minha família.

quinta-feira, 4 de novembro de 2010

Sobre cabelos e família

Há algum tempo me ocorreu, talvez, uma das comparações mais malucas que já fiz: famílias têm muito a ver com cabelos. A idéia me surgiu enquanto secava minhas madeixas. É incrível como a mente pode voar enquanto fazemos alguma coisa tediosa, não?

Eu já havia quase me desembaraçado da tarefa de modelar os fios, quando uma mecha particularmente geniosa me chamou a atenção. Foi então que me veio o estalo: sempre existe uma mecha ruim. Sempre tem aquela parte do cabelo que dá mais trabalho. Assim são as famílias. Vamos às semelhanças.

Assim como nos cabelos, as famílias sempre têm uma “mecha” ruim (ou várias). Há sempre aquele parente que, por um motivo ou outro, sempre dá trabalho. É aquela pessoa que nunca está do jeito que deveria. Dá trabalho nas festas da família, arruma confusão, deixa todo mundo maluco. É aquela mecha de cabelo que está sempre do jeito errado: se você seca o cabelo com as pontas pra dentro, ela fica com as pontas pra fora; é a primeira que arrepia e a que parece sempre estar de mau humor.


Já viram aquela família que parece de comercial de margarina? E cabelo de capa de revista? Pois bem. Saibam que os dois tiveram seus defeitos cui-da-do-sa-men-te escondidos. Precedendo aquele visual meticulosamente arrumado, não se engane, há sempre muito secador, chapinha, bobes, baby liss e produtos high tech envolvidos. E quanto às famílias? Há sempre segredinhos bem guardados, gentilezas, mentirinhas brancas e ciuminhos reprimidos. Os verdadeiros bafafás nunca chegam à tona. Notem que estou falando das famílias tidas como perfeitas, as normais são diferentes e depois falaremos disso.


Outra coisa que pode servir para exemplificar minha ideia maluca é o fato de que estamos sempre pensando que o cabelo (ou a família) dos outros é ótimo. Você vê aquele cabelo liso, chapado, brilhante, que acorda sempre arrumado e diz: nossa, seu cabelo é perfeito! A resposta? Uma lista de defeitos. Ou a pessoa reclama porque ele é muito liso e não há nada que pare nele, ou a pessoa reclama porque é muito enrolado, difícil de cuidar, armado, tem a cor feia, é oleoso, seco, o corte não está bom e por aí vai. Quanto às famílias? Bem, basta ver a quantidade de adolescentes que acha a mãe dos amigos muito mais legal que a sua própria genitora. Aí está a semelhança. E sempre tem alguém que diga – da família ou do cabelo, não importa – “até que é legalzinho (a), mas você não acredita no trabalho que dá”.


E vivemos tentando uma forma de mudar os dois. Tentamos modular o comportamento das pessoas, fazemos críticas, damos conselhos, enchemos o saco, argumentamos, discutimos, conversamos, elogiamos, pintamos, hidratamos, cortamos, secamos, enrolamos, alisamos, reclamamos, nos orgulhamos. O que importa é não parar de tentar mudar, não é?

Pois bem. Familiares e cabelos, os dois se cansam disso tudo. Uma hora ou outra, acabam cobrando os danos causados. Aí surgem as brigas, as desavenças, as cobranças, as pontas duplas, a quebra, a queda. Então corrigimos tudo: fazemos as pazes com a família e os cabelos, cuidamos direitinho, para quando estiver tudo certo, repetirmos tudo novamente.


É uma convivência meio doida, desgastante e maravilhosa ao mesmo tempo.


E pra finalizar, ocorreu-me a coincidência mais fiel e talvez a que acabe com uma possível rabugice do texto. Reclamamos, mexemos e tentamos mudar nossas famílias e nossos cabelos, mas eles são fundamentais. Por mais que dêem trabalho, os fios e a família permitem que nosso sorriso apareça mais bonito.

quarta-feira, 27 de outubro de 2010

O tempo que não nos pertence

Ando preocupada com o tempo. Ando sentindo que ele me foge rápido demais, vertiginoso demais. Ando sentindo que o persigo e que ele me olha de longe, sempre à minha frente, sempre virando alguma esquina.

Ando com medo do tempo. Temo as mudanças que não posso prever, controlar ou conter. Estremeço diante da falibilidade dos planos, da mutabilidade das feições e da efemeridade dos momentos. Inquietam-me os espelhos, intragavelmente teimosos, que nunca se mantém refletindo a mesma imagem. As mudanças estão lá: inegáveis e irrevogáveis. Assustam-me as roupas que diminuem de tamanho, os sapatos que não podem mais conter os pezinhos que outrora eram tão minúsculos e meus próprios ombros que, numa piscadela, ficaram muito próximos da altura de minhas filhas.

Ando sentindo o tempo com uma agudeza que às vezes não me agrada, como se estivesse o tempo todo em uma despedida do minuto anterior. Ando vendo o tempo, o tempo todo a me sinalizar que está passando, o tempo todo a me lembrar de coisas no pretérito perfeito.

Mas que bobagem a minha. O tempo não nos foge. Não nos escapa por entre os dedos, porque na verdade nunca esteve em nossas mãos. O tempo simplesmente existe e não sei se ele passa ou se passamos por ele.

O tempo não é nosso. Ele não pode ser perseguido, retido ou manipulado. Não dura além dos momentos de felicidade - ou infelicidade -  quimérica. Ele passa inexorável, imutável e indiferente. Não espera e não se apressa.

E a nós, resta-nos lembrar que, na verdade, não se perde nada com a passagem do tempo. Porque o futuro nunca nos pertenceu. Ele é apenas a projeção daquilo que esperamos ou tememos. O tempo não nos tira nada. Ao contrário, seu passar é um presente.

Porque não se perde uma juventude, um bebezinho, ou dias passados. Ganha-se maturidade, um filho com sete anos, adolescente ou adulto e dias passados. O importante é lembrar: o que de fato nos pertence são os momentos fortes o bastante para ficarem impressos na memória.

E o tempo sempre estará por aí, para nos acrescentar dias, memórias, rugas, filhos, netos e neuroses ao longo do período que usamos para gastar o O2 disponível no planeta.

Que nossos batimentos cardíacos possam valer a pena.

Beijinhos

quarta-feira, 20 de outubro de 2010

Depois que me tornei mãe


Depois que me tornei mãe muitas coisas mudaram  em mim. Coisas que eu não imaginava e que não pensava serem possíveis.

Me tornei mais tolerante, mais consciente de mim mesma, dos meus sentimentos e pensamentos. Passei a admirar mais a singeleza de cada momento e a singularidade de cada pessoa.

Depois que me tornei mãe, não durmo como antes, não me alimento como antes, nem me desligo da realidade como antes. Tenho horror aos noticiários e às tragédias distribuídas em escala além da industrial, transimitidas ao vivo e amplificadas. Deixei de assistir às novelas e passei a me inundar de programação infantil. E, por incrível que pareça, descobri que não me importo com isso. Aprendi que posso ser a bailarina mais desengonçada da história, que posso ser uma princesa, uma cabeleireira, uma cliente e uma professora na mesma noite. Compreendi que poucas vezes antes fiz coisas tão simples com o prazer eufórico de uma primeira vez constante.

Porque os filhos mudam alguma coisa fundamental em nós. Porque sempre será a primeira vez deles em algo. Porque eles nos transformam em pontos cruciais e alteram toda nossa psique.  Os filhos nos ensinam que existe algo mais importante que nós mesmos e que o agora importa muito, principalmente na medida que ele constrói um futuro que será compartilhado.

Depois que me tornei mãe - valha-me Deus - virei adepta dos clichês. Aceitei que os filhos são tudo em nossa vida, que uma pessoa nunca amou ninguém até ter um filho, que não há mal que dure para sempre, que não existe mãe sem peso na consciência, que tudo o que fazemos é pensando no melhor para os filhos. E o pior de tudo: compreendi que minha mãe não me ameaçava quando me dizia que certas coisas eu só entenderia quando tivesse filhos. Sim, pessoas, eu sou um lugar comum ambulante.

Não que isso seja ruim. No fim das contas, acho que esses clichês são cheios de uma verdade tão grande que irrita mesmo. Porque na maioria esmagadora dos casos, não há como discordar deles.

E descobri que se me fosse dada a chance de escolher outra vida, outro caminho e outras circunstancias, eu provavelmente declinaria a oferta. Eu certamente ia querer o que tenho, da maneira que tenho: com as vantagens, com o cansaço, as lágrimas, os sorrisos, abraços, risadas, sonhos, brincadeiras, broncas, choro, febres, aprendizados e realizações.

Porque são exatamente essas coisas que me permitem dizer, sem medo de errar ou de parecer hipócrita, que sou uma pessoa extremamente feliz.

Beijinhos

quinta-feira, 14 de outubro de 2010

A Epifania da Jabuticaba

Jabuticaba tem gosto de infância. Foi essa a frase que me veio à mente ontem, no caminho de volta para Brasília, após sentir o sabor da primeira bolinha negra da estação.

Provavelmente, quem me conhece ou acompanha meus textos, já conseguiu perceber que eu tenho dessas coisas. De repente acontece alguma coisa e pronto! Eu simplesmente preciso escrever sobre aquilo. Vira uma agonia que não passa até eu por o pensamento em forma de palavras.

Voltemos à jabuticaba e à epifania. Quem assistiu ao filme Ratatouille, lembra-se de quando Anton Ego experimenta o prato de sua infância e volta imediatamente à sua antiga e simples casa, onde vivera dias aparentemente felizes. Pois foi exatamente isso que me aconteceu.

Bastou uma mordida e fui direto para lugares onde estive há alguns anos - sem especificidades, por favor. Lembrei-me, com uma precisão incrível, das fazendas que costumava visitar quando criança. Era como se sentisse a temperatura amena, o cheiro e o sabor das jabuticabas. Daquelas jabuticabas degustadas com paladar de criança, buscadas no pé com mãos pequenas e ágeis - ávidas por pegar as maiores e sabidamente mais doces bolotas. Recordei a preocupação infantil com a roupa que não poderia ficar manchada, mas que no final das contas já não contava mais.

E as lembranças foram se desdobrando: um banho de bica, uma manhã brincando num trator desligado, um passeio a cavalo, tardes na rede, chuva, cheiro de mato e de gado, noites de estrela, fogueira, acampamentos, a vida se modificando, crescer, direitos e responsabilidades adquiridos, o despertador, gestações, as crianças.

Ah, as crianças. Olhei para o banco de trás. La estavam elas, com seus sorrisos luminosos e seus olhinhos vivos. Comendo jabuticaba e estalando os lábios. Construindo memórias que as acompanharão pela vida toda.

Ocorreu-me que, de fato, a vida nos dá presentes a todo momento. Basta que estejamos atentos o suficiente para perceber. Como foi gostoso perceber que uma coisa tão simples como uma jabuticaba pode ser um ponto de intersecção entre as minhas memórias e as de minhas filhas. Como é gratificante perceber que, mesmo tendo nascido em séculos diferentes, sempre teremos algo em comum. E como é gostoso saber que a simplicidade da vida e a infalibilidade do tempo se encarregam de nos mostrar essas afinidades.

Porque um dia todo mundo percebe: Jabuticaba tem gosto de infância.


Beijinhos

segunda-feira, 11 de outubro de 2010

Coisas que todo inferno que se preze deve ter

Essa semana, eu tive um pensamento diferente. Todo inferno que se preze deve ter uma serra elétrica.

De onde tirei essa ideia maluca? Eu explico.

Estava eu tentando dormir no meio da tarde, antes de ir para o trabalho, quando percebi que não conseguiria. Ao lado do meu prédio, começou uma obra enorme. Vinte andares! É de chorar, eu sei. Tem o barulho das máquinas, os martelos, os peões... E eu precisando desesperadamente de um pouco de silêncio.

E foram o desespero e consequente ódio assassino despertado em mim que me levaram a elaborar a seguinte lista.

Coisas que todo inferno que se preze deve ter:

1- Uma serra elétrica, do tipo Makita, pra funcionar sem direito a trégua.
O barulho daquela coisa entra nos ouvidos da gente e se recusa a sair até a próxima encarnação. Não tem como se livrar. E o zunido gera um bocado de ira - o que só faz piorar o mal estar.

2- Um - ou vários - xilofones de criança.
É desesperador. E quanto mais feliz a criança fica, mais forte ela bate a baqueta. Belezura!

3- Roncos. Muitos roncos.
Com direito a apneia do sono, que é pra gente achar que o outro condenado está sufocando (de novo).

4- Sapatos apertados
E calos e bolhas, muitas bolhas

5- Filas.
Muitas, quilométricas, sem direito a atendimento preferencial e com um chato compulsório ao lado, pra reclamar e te deixar maluco.

6- Muriçocas
Ou pernilongos, tanto faz. Na verdade, vou generalizar: insetos. Todo inferno que se preze deve estar cheio de insetos.

7- Homem que chama mulher de gostosa na rua.
Instrumento fundamental de tortura. Não há tormento eterno decente que dispense esse tipo de figura. Claro que eles também podem mandar algumas cantadas furadas e fazer aquele barulhinho irritante com a boca (aquele de puxar o ar).

8- Horário eleitoral obrigatório e eterno.
Com várias promessas de suspensão das torturas, que é pro torturado se frustrar diariamente.

9- Um canal em cada dente da boca, todos os dias.
Eu nunca fiz, mas dizem que é digno de entrar no hall dos tormentos.

10- Um call center, sem direito a bater o telefone na cara do atendente
"Senhora... Aguarde um minuto que vou estar verificando se o seu horário de tortura acabou...    .....      .....  ¬¬    ....  ¬¬' Obrigado por ter aguardado. Estou verificando aqui no meu cadastro, senhora, que a senhora ainda tem mais um crédito de vinte e três horas e dezessete minutos de tortura. A senhora gostaria de estar iniciando a sua tortura diária agora?"

Não, gente, é sério. Deletem essa última. Até para o inferno isso tá demais.

E vocês? Que item acrescentariam à minha lista?

Beijinhos

quarta-feira, 6 de outubro de 2010

Textos de mulherzinha?

Ontem à noite, enquanto eu mostrava meu último texto para o meu digníssimo, ele exortou-me a prestar atenção ao que escrevo. Segundo ele, meus textos são demasiado femininos e o público masculino não tem paciência para isso.

E o que é que eu posso fazer em relação a isso? - eu me pergunto. Escrevo sobre meninices, lacinhos, família e cotidiano, pelo simples fato de serem essas coisas que povoam o meu cérebro. E acrescento: seria uma perfeita tapada se começasse a escrever sobre carros, futebol, video-games, política exterior, bolsa de valores, butecos e outras coisas pautadas por níveis altíssimos de testosterona. Não entendo nadica de nada dessas coisas e pedir que eu discorresse sobre elas seria o mesmo que pedir a um rinoceronte que usasse meias finas e dançasse balé com sapatilha de ponta.

Descupem, mas eu não consigo.

De mais a mais, será mesmo tão ruim pensar sobre as coisas sob uma perspectiva mais suave?

segunda-feira, 4 de outubro de 2010

A chuva chegou


E eis que a chuva chegou. E trouxe consigo o melhor aroma de terra molhada disponível em todo o mundo, porque era o meu cheiro de terra molhada. Esse era só meu, exclusivo, esperado e ansiado como liquidação de sapatos.

O primeiro olor de terra molhada é diferente, porque tem cheiro de saudade - dos dias de chuva no telhado, de trovoada, de bolinho frito com café e de filme com cobertor (se bem que, com esse calor, não é fácil pensar em nada que sirva para se agasalhar). A primeira chuva abaixa a poeira, sobe o calor, nos recorda que é possível respirar sem sentir nenhuma ardência no nariz e põe as pessoas na rua em polvorosa - ao menos as que ainda não compraram os seus guarda-chuvas de cinco reais.

Basta as primeiras gotinhas começarem a cair, para tudo começar a ficar verde: uma cor de encher os olhos e a alma, de fazer suspirar, sorrir e lembrar que não há seca que resista ao mês de outubro (que um anjo diga amém - agora!). Basta chover para todo mundo comentar, rir das pataquadas alheias, reclamar do engarrafamento e andar com sacolas na cabeça.

Uma chuva e os cabelos entram em colapso, fazendo voltinhas e mais voltinhas nas cabeças despreparadas. E aí a mulherada abre o bico a reclamar. Algumas soluções são possíveis:
1- Assumir os cachos, aproveitando que eles estão na moda mesmo;
2- Andar com o guarda-chuva por onde for e rezar para que ele não vire do avesso;
3- Manter um kit de sobrevivência com escova, secador, pracha, presilhas, tiaras e outros itens sempre à mão;
4- Caprichar na escova definitiva.

Eu escolhi a última opção, principalmente pela praticidade do cuidado.
Saindo do salão, um dia após a primeira chuva, com o cabelo lisérrimo, olhei para o céu cheio de nuvens cinzentas e suspirei, experimentando todo o prazer que os dias chuvosos me proporcionam.

"Segura essa, São Pedro. Pode mandar chuva à vontade. Eu aguento!"

Beijinhos

quinta-feira, 30 de setembro de 2010

Segue o seco



Ah, o cerrado! Com suas árvores retorcidas, flores coloridas, frutas com sabor exótico, crepúsculos lindamente alaranjados, cachoeiras maravilhosas e... um clima insuportável.

Eu juro que gosto de ser goiana. Sou apaixonada pelo meu estado, pelas pessoas hospitaleiras, pela cultura da simplicidade e pelas comidinhas meio goianas meio mineiras. Encanta-me o pôr-do-sol poético, laranja-rosado, emoldurando os ipês e angicos, anunciando noites frescas de céu estrelado e de histórias a perder de vista. Mas precisava ter um clima tão intragável?

Não há um meio termo confortável. Ou é chuva ou é seca. Ponto final. E assim ficamos sempre num descontentamento de uma rabugice pior que o clima.

Ou reclamamos por termos chuva demais, ou por ela estar ausente - completamente sumida, exilada para outros estados com Mata Atlântica, florestas, mata de araucárias ou coisa que o valha.

O período compreendido, aproximadamente, entre os meses de outubro e maio é de chuva. Chuva pra valer! Caem torós de enxarcar os ossos, virar guarda-chuvas do avesso, transformar as ruas em queijos suíços e sujar as roupas de lama. São dias de tempestades no final da tarde, que escolhem exatamente a hora de voltar para casa e buscar as crianças na escola. Mas que, apesar de tudo, são infinitamente melhores que os meses da seca. Sim, porque precisamos ter o mínimo de umidade no ar. Afinal de contas, não estamos no Saara!

O restante dos meses do ano é ocupado por bronquites, alergias, dermatites atópicas, narizes sangrando, dores de cabeça e um rosário de lamúrias que só quem passa mais de cem dias sem chuva sabe rezar. Não há hidratante que chegue, nem soro fisiológico que baste. São dias de poeira, vento, carros sujos, limpeza de chão várias vezes ao dia, nebulizações, sol escaldante, toalha molhada na cabeceira da cama e um arsenal de técnicas para melhorar a umidade do ar.

A parte boa de se ter um período assim tão definido de seca é que se pode marcar um churrasco com dois meses de antecedência. Mesmo estando em maio, pode-se marcar um evento para um dia inteiro de agosto. Não vai chover, eu garanto. Nem uma gotinha.

Perdoem-me a rabugice. Estamos há semanas nesses pródromos de chuva e já estou estressada. A expectativa e o tempo cinzento de poeira e fumaça (sim, nossos parques estão tostados - de novo) me deixam irascível. Mesmo a despeito das noites avermelhadas que eu tanto amo.

Preciso comprar um guarda-chuva de cinco reais - para virar do avesso quando eu mais precisar dele. Quando as gotas pararem de se desviar de mim, meu humor provavelmente ficará melhor.
Até lá, segue o seco!

Beijinhos

quinta-feira, 23 de setembro de 2010

Os cinco sentidos da saudade



Saudade é um bichinho melindroso que fica à espreita do momento oportuno para atacar. Esse bichinho não faz distinção de sexo, raça ou classe social. Sua única exigência é que a pessoa tenha sido, por pelo menos um dia, feliz. Funciona como imposto de renda retido na fonte – inevitável. Quanto mais felicidade se acumula, mais saudade se pode experimentar. E não adianta reclamar: a saudade vem, e pronto! O melhor que podemos fazer é lidar com ela e aproveitar as memórias que ela desperta.

Depois de pensar um pouco sobre esse sentimento diferente, que só existe na língua portuguesa, descobri que experimentamos a saudade com todos os nossos sentidos. Ela tem gosto, cheiro, tato, som e nos remete a visões.

Saudade tem gosto de pirulito, balinha e pipoca. Tem gosto de comida de avó, de bolinho frito e churrasco de fim de semana. Tem paladar de balinha de menta no beijo do namorado, de fruta colhida no pé. O gosto da saudade lembra qualquer coisa parecida com sopa em dia frio, com chocolate e algodão doce, com água de coco na praia. Lembra muito aquele vinho bom tomado em boa companhia e a cervejinha com amigos.

Saudade tem cheiro de terra molhada, de alho fritando na panela, de perfume de mãe. Cheira como as rosas do primeiro buquê que se ganha, como os cabelos suados de nossos filhos dormindo. Tem o perfume de um banho longo e de maresia. Tem cheiro de mato, de bicho, de casa e de roupa lavada. Saudade cheira como bombinhas em festa de São João. Lembra o perfume doce daquela irmã ou amiga que você adora.

O toque da saudade é o abraço do pai, o bater de mão do amigo. Sente-se a saudade como os cabelos macios das crianças e a pele enrugada e frágil dos idosos. Tem a textura de terra ou areia sob os pés. É fria como banho de chuva ou de cachoeira. É quente como ficar debaixo do cobertor favorito sem fazer nada – um filme no máximo. É dura como o chão que fica debaixo de nossos pés quando alguém se despede. Confortável como colchão de mola e acolhedora como dormir abraçado.

Saudade tem som de risada, de música de criança, de chuva tamborilando no telhado. É a música favorita e aquela de que nunca gostamos. É a voz dos filhos, amigos, irmãos e pais. São as histórias daqueles que não mais encontraremos. Saudade tem som de campainha de telefone, de pneus de carro chegando de passos na escada. Saudade tem barulho de pezinhos miúdos andando em casa durante a noite. Tem barulho de água de rio e de ondas quebrando na praia. É barulho de recreio, o som da primeira balada, o pedido de casamento. Saudade tem som de chegada e partida. E saudade é também o silêncio que vem após as despedidas e que cala as palavras desnecessárias no reencontro.

As visões que a saudade desperta são o rosto dos que amamos e os lugares que vimos. Saudade se mostra como a paisagem passando ligeira ao lado do carro, como as nuvens – todas niveladas – vistas na primeira viagem de avião, como o mar, visto pela primeira vez. Saudade se parece com filhotes, com bebês que mudam todos os dias. Saudade é o nosso rosto no espelho – a infância que se transformou dia após dia, que adolesceu e amadureceu sem que tenhamos percebido.

Se ninguém pode sentir saudade daquilo que nunca teve, esse sentimento é o certificado de que se foi feliz. É o ISO das pessoas que souberam viver. É a prova incontestável de que nosso coração bombeia sangue dia e noite por uma boa causa.

Beijinhos


Imagem: Saudade - Almeida Junior

quarta-feira, 22 de setembro de 2010

De como percebi a diferença entre agradecer e se sentir grato



  Há algum tempo me aconteceu um momento de contemplação. Havia chegado do trabalho cansada. O dia fora longo e os pacientes exigentes. Foi necessário contornar um ou dois problemas e distribuir alguns sorrisos a mais – alguns demandaram mais esforço, outros menos. Sempre canto no caminho para o metrô, mas naquele dia nem uma notinha se manifestou – nem mesmo a marcha fúnebre. Estava vazia, esgotada de verdade. A sensação desses dias é de que deixei tudo com as crianças no trabalho, de que me esvaziei por completo. Cem por cento de doação.

Chegando a casa, rotina normal. Meu marido estava na sala, assistindo a um reality show, desses em que a equipe constrói uma casa em uma semana para alguma família cheia de problemas. Pensei: todo mundo tem problemas, mas nem todo mundo ganha uma casa. Ai que fome. Meu marido e eu fomos a uma dessas carrocinhas de cachorro quente, pioramos a situação de nossas artérias e fomos buscar as meninas numa festinha de aniversário.

Festinha animada. As crianças estavam eufóricas. Saíram, as duas, com uma coroa de princesa e um pote de guloseimas cada – um clássico das festas infantis. Voltando para casa, chegou o momento de lidar com o choro. A quantidade de sono de uma criança e o número de decibéis do choro é diretamente proporcional. Paciência. Crianças não têm como lidar com irritação da mesma maneira que os adultos deveriam. Para a mais nova, um banho rapidinho, mamadeira, fralda e pijaminha – do Mickey. Para a mais velha, o mesmo pacote, com exceção da mamadeira e da fralda.

Foi então que meu humor começou a mudar. “Mamãe, posso deitar na sua caminha”, a minha caçula pediu. “Claro, filhota”. Exceção à regra. Meu marido levantou a sobrancelha. Eu ignorei. Fiquei ali, deitada, com os bracinhos da minha pequena ao redor do meu pescoço. A perninha dela descansava sobre o meu quadril. Pude observar o movimento leve dos seus olhos – aparentemente já estava sonhando. Fiquei maravilhada com a maneira como sua boquinha entreaberta deixava entrever os dentes, com o desenho das sobrancelhas e as curvas das bochechas, com o som de sua respiração, com o toque macio dos seus cabelos. Admirei minha filha com todos os meus sentidos, tentando guardá-la daquele jeito na memória. Foi quando observei que havia me emocionado. Chorei diante daquela parcela de paz, da serenidade que se pode experimentar quando se está disposto a isso. Percebi que raras vezes dei tanto valor a coisas que não havia perdido.

Valorizei a integridade do meu corpo e minha capacidade de raciocinar e amar. E me senti grata pelos meus problemas diários, pelo meu trabalho e, especialmente e primordialmente, pela minha família.

Coloquei minha pequena no berço e passei para a rotina de sono da mais velha. Rezar e cantar. E desta vez, a parte dos agradecimentos foi mais extensa. Percebi que temos muito a agradecer. Não porque é de praxe, mas porque tive, naquele dia, uma pequena amostra da maravilha que é o sentimento de gratidão. Rezamos e ao colocar minha outra filha na cama, cantei uma das suas canções favoritas: Como é grande o meu amor por você.

Suspirei e me permiti ser, por uma noite, apenas feliz.


Foto: Public Domain Pictures


Beijinhos

terça-feira, 21 de setembro de 2010

Sobre a simplicidade

Sem pretensão de desprezar os shoppings e todas as novidades que tentam facilitar nossa vida todos os dias, digo que prefiro a simplicidade. A vida está agitada demais para o meu gosto. Não quero escrever aqueles textos bucólicos e piegas, mas sinto falta de tranquilidade. Sinto falta do verde desorganizado e não esculpido; do cheiro de terra molhada e do barulho de gado no curral. Sinto falta de ouvir uma seriema cantando no final da tarde e de pescar lambari no riacho.
 

Todos os dias, o barulho que ouço é o mesmo: sirenes, motores, buzinas e aqueles carros de som que nos deixam malucos. Preciso de silêncio. Preciso de um pôr do sol que não seja roubado dos poucos segundos parada no semáforo. Quero ter tempo para admirá-lo. Quero uma noite sem nuvens, em que as estrelas possam ser vistas. As luzes dos prédios atrapalham bastante. Nem sei mais para que lado fica o Cruzeiro do sul.  

As coisas estão evoluindo muito rápido. Não consigo assimilar tudo. São tantos aparelhos com a sigla MP que, sinceramente, fiquei estacionada no “quatro” – espero que seja aquele que permite ouvir músicas e rádio, ver vídeos e ler textos. As crianças, cada vez mais, estão dependentes de tecnologia. Os brinquedos praticamente brincam sozinhos.  

Quero três dias sem relógio, celular, bip, horário nobre, notícias de assassinato e corrupção. Quero três dias em que minha maior preocupação seja levar água para um pé de jabuticaba e andar com cuidado no mato. Quero sentir a temperatura cair, lentamente, no final da tarde e parar para ver a silhueta dos morros quando o dia for acabando. Exijo uma chance de pôr os pés na terra, estou cansada de levar choque. Cansei de eletricidade estática.  

Gosto da vida na cidade, mas às vezes é necessário respirar. A lembrança de quem somos e de onde viemos nos mantém centrados para sabermos aonde vamos. Gosto de sanduíches, mas o frango caipira, a couve refogada e a manga colhida no pé têm seu valor. Gosto de televisão e filmes, mas me acabo de rir com histórias que só as pessoas simples de verdade sabem contar. Gosto de caminhar no parque da cidade, mas me encanta andar no mato e parar em cima de um morro, só para ver de longe as casinhas afastadas umas das outras. É bom ver que o horizonte pode estar longe. Gosto da vida que levo e do lugar em que moro. Gosto de barzinhos e de rodízio de pizza. Mas amo a sensação de tranquilidade e de leveza que só se consegue “pondo o pé na roça”.  

Por fim, peço licença a Vinícius de Moraes – e perdão aos seus fãs, se estiver cometendo alguma espécie de heresia – para adaptar uma de suas frases.  
Que me perdoem os muito high tech, mas simplicidade é fundamental.

Beijinhos

quarta-feira, 15 de setembro de 2010

Primeiro capítulo da primeira história que me ocorreu.

Ponderei um bocado antes de postar o texto abaixo. Um bocado de gente já sabe como ele surgiu - como uma espécie de prurido, uma coisa que não te deixa em paz até você ceder e atender ao pedido. Foi assim que a Rafaela me apareceu. 
Não tinha muita certeza de que queria postar, mas um amigo me disse que tinha saudades da personagem, então resolvi. 
Esse capítulo não é mais assim. Reescrevi tudo depois de achar que ficou um bocado amador. Mas a título de nostalgia e de curiosidade, segue o primeiro capítulo da minha primeira história. Um bocado grande para pôr no blog, eu sei. Mas como o domínio e a senha são meus mesmo... Aí vai. A quem se aventurar, tenha o prazer (ou não) de conhecer a Rafaela.
Beijinhos



Você devia parar de fumar. As palavras de seu pai ainda ecoavam em sua cabeça, enquanto Rafaela observava a fumaça de seu cigarro subir em espirais suaves. Sentada numa cadeira confortável em seu home office, os joelhos flexionados contra o tronco, a música suave preenchendo o ambiente, ela ainda se perguntava se estaria suficientemente surpresa com o próprio comportamento, ou se ainda guardara alguma novidade para si mesma. “Claro que não!” – foi a resposta instintiva. Ela não costumava se surpreender consigo mesma. Rafaela era altamente previsível – ao menos acreditava ser.
Ela tinha 32 anos, era alta – quando comparada às amigas, magra – porém sem ser esquálida. Tinha os olhos escuros e o cabelo médio, ondulado, num tom de chocolate “completamente normal”. Era como se descrevia, sempre acrescentando ressalvas. Claro, ela se esquecia de incluir detalhes como um sorriso encantador, um andar envolvente e uma postura tão segura que era, ao mesmo tempo, um convite e um aviso. Era observadora e um tanto reservada. Estudava o momento de falar e se o próprio comentário não passasse no crivo finíssimo de sua autocrítica, o guardava em uma gaveta mental e liberava em seu lugar um sorriso amistoso ou uma resposta educada e “pré-aprovada”.
A escolha de sua profissão foi um daqueles casos em que a pessoa se deixa levar docilmente para um destino certo, tecido e bordado cuidadosamente ao longo do tempo, sem hesitação. Passou toda a vida cercada por livros. A mãe, Andréa, lia muito e dizia que os personagens eram companhias incríveis, com histórias fascinantes. “Uma boa oportunidade para vivermos algo inacreditável, que geralmente não acontece”, ela dizia após contar alguma história lida recentemente. Lembrava-se com saudades das horas passadas antes de dormir, em que era apresentada a outros lugares, pessoas e épocas. Acompanhava com avidez as tramas, encontros e desencontros dos personagens e, por vezes, sentia como se tudo pertencesse ao seu mundo. O barulho das páginas ao serem passadas, o cheiro de cada livro, o suspiro e o espreguiçar ao final de cada história. Tudo era dividido com a mãe, que se mostrava empolgada como se ela mesma houvesse percorrido aquelas páginas. Eram companheiras e dividiam a mesma paixão.
Cedo foi apresentada a personagens como o pequeno príncipe e o aviador, Pollyanna e seu “jogo do contente”, Emília, Narizinho e a turma do Sítio, sem considerar os contos de fadas, que eram de praxe. Mais tarde, enquanto toda a turma do colégio reclamava, Rafaela se encantava com os clássicos. Adorava o cenário da Ilha de Paquetá e as matas por onde andaram Ceci e Peri. Morria de pena de Isaura e até hoje se pergunta se Capitu teria mesmo traído Bentinho. Gostava bastante das personagens de vanguarda. Preferia aquelas mais altivas, menos prudentes e que diziam o que pensavam. Adolescente, ainda se lembrava com admiração de Carolina e tinha particular afeição por Elizabeth Bennet.
Com o tempo e a convivência, os livros passaram a ser uma parte inseparável de quem era. Recomendava-os aos amigos, emprestava-os e foi apenas um passo para que passasse a vendê-los. Com a ajuda dos pais e mediante o espanto da irmã, Luiza, e de sua melhor amiga, Mariana, aos 25 anos, abriu uma pequena loja de livros – O Arco da Velha.
O Arco, como Rafaela apelidara a loja, ficava numa esquina no centro da cidade. Tinha um ar nostálgico, com mesinhas e cadeiras bem dispostas sobre um soalho de madeira, paredes claras, janelas amplas e cortinas com renda, pelas quais se filtrava uma luz tão oportuna, que parecia intencional. As prateleiras estavam por toda parte e eram cheias de livros sobre todos os assuntos. Tudo remetia às histórias que lera há anos e aos saraus dos quais não participara. O lugar era bastante frequentado e logo se tornou uma das livrarias mais concorridas da cidade. Isso, graças à Luiza e seu trabalho primoroso de arquitetura e Mariana com seus biscoitos delicados, servidos com várias receitas de café. Mas o sucesso do Arco se devia principalmente à habilidade de Rafaela em receber os clientes e ao seu dom, quase sobrenatural, de encontrar exatamente o livro certo para cada leitor. Nada escapava – desde crianças até idosos e intelectuais – a todos ela conseguia agradar.
Mesmo o passar do tempo não conseguiu alterar a personalidade, por assim dizer, da livraria. O negócio cresceu e mais duas lojas foram abertas. Todas tinham o mesmo estilo e o mesmo atendimento. Rafaela fazia questão de treinar pessoalmente todos os atendentes – e o fazia com rigor. O pai, Luiz, cuidava da parte financeira e a mãe a auxiliava na escolha dos livros bem como no contato com as editoras. Rafaela se desdobrava para estar nas três lojas.
“Você ainda vai ter um infarto”, Luiz sempre dizia quando Rafaela comia apressadamente para ir para outra filial. “Definitivamente, filha, com a maneira que você treina aqueles funcionários, eles podem passar sem você por alguns dias”. Rafaela apenas sorria. Achava seu pai um tanto moderno e adorava conversar com ele. Ele via as coisas de uma maneira bastante peculiar. Um caleidoscópio. Sempre havia outro modo de enxergar as situações. Bastava apenas girar-las ligeiramente e colocá-las em perspectiva, para obter outro ponto de vista. Luiz era consolador e tinha frequentemente um conselho acompanhado do binômio risada e piscadela. Tinha bastante senso de humor e às vezes acabava por deixar as filhas mais perdidas, uma vez que raramente tinha as respostas ou reações que se esperava de um pai. Quando conversavam, Rafaela acabava por se lembrar do Sr. Bennet, balançava indulgentemente a cabeça e sorria. Depositava-lhe um beijo na bochecha e saía, ainda encantada e grata com o presente que Deus havia lhe dado.
Andréa era mais realista. Embora fosse uma leitora assídua, sempre acrescentava um comentário que mostrasse o lado prático de todas as histórias. Ensinou Rafaela a ler, mas a ensinou também a interpretar e criticar – no melhor sentido da palavra. Não era dada a leviandades ou à maledicência. Foi uma mãe muito justa, que estimulava as filhas a se desenvolverem naquilo que as aprazia. Gastava horas do dia organizando exposições, nas quais Luiza mostrava seus “projetos” aos familiares. No entanto, não deixava de dar suas opiniões, fossem favoráveis ou não aos desenhos da filha. Ao lidar com fornecedores, era implacável. Frequentemente conseguia preços melhores e livros difíceis de encontrar. Por incrível que pareça, raramente ouvia a palavra “esgotado” e os estoques das lojas viviam impecáveis. Outro ponto a favor de Andrea: ela era impossivelmente organizada.
Luiza era sonhadora, tipicamente uma pessoa intuitiva e altamente criativa. Não raro perdia o olhar em algum lugar ou possibilidade que ninguém mais enxergava. Dedicava-se aos desenhos com afinco e estava sempre pronta a reformar. Aliás, adorava modificar tudo – do ambiente e móveis da casa à vida amorosa da irmã. Gastou várias noites projetando o visual do Arco, até que ficou “perfeito”. Foi o que Rafaela disse quando Luiza lhe mostrou o desenho da primeira loja. As duas passaram dias percorrendo antiquários e Luiza, aos poucos, foi encontrando cada peça que se encaixava naquilo que ela definia como “o melhor lugar para encontrar livros, café e boas companhias”. A qualidade que mais inspirava a admiração de Rafaela era a impulsividade quase infantil com que Luiza se entregava a uma novidade. Tudo era motivo para devaneios. Desde uma mesa necessitada de uma demão de tinta ou de um novo tampo, até um olhar diferente ou uma conversa desinteressada de algum cliente novo. Tudo eram possibilidades. Era meio infantil, mas essa vivacidade casava perfeitamente com suas feições frescas e joviais. Era mais baixa que a irmã, tinha as formas bem feitas, os olhos muito vivos, os cabelos curtos, num estilo Chanel bastante repicado e cantava o tempo todo. Tinha seu próprio escritório e assinava a produção de inúmeras casas na cidade.
Mariana sempre fora a melhor amiga das duas irmãs. Eram um trio e tanto – Rafa, Lu e Mari. Cresceram juntas e nunca se separaram. Mesmo depois do casamento da amiga, as duas irmãs continuaram a recrutá-la para as compras e vários passeios, em que falavam de tudo. Mari tinha um casal de filhos: Lilian, que fora apelidada de Lily e Tiago, que foi premiado com o codinome Tico. Vitor fora seu namorado desde sempre e mostrou-se contente em contribuir para “a melhoria da qualidade gastronômica do Arco”. Traduzindo: devorava todos os biscoitos que Mariana fazia e fingia ficar na dúvida entre um sabor e outro, só para comer mais um de cada. Formavam um casal muito divertido. Transbordavam felicidade e harmonia. No geral, a família lembrava a Rafaela algo como um comercial de margarina ou aquelas comédias românticas totalmente “água-com-açúcar”. Uma referência de relacionamento bem sucedido, com direito a beijos estalados, telefonemas no meio da tarde e brigas bobas.
Rafaela teve alguns relacionamentos até parecidos, mas que acabaram por não dar certo. Alguns bem que duraram, mas havia algo que não se encaixava. Era como se faltasse alguma coisa. A maioria dos seus namorados era do tipo certinho. Vestiam-se bem, eram cultos e “incrivelmente chatos”. A opinião de Lu sobre os ternos que visitavam a irmã era invariavelmente ácida. “Pelo amor de Deus, Rafa. Eu tenho certeza de que você não é rabugenta a ponto de só atrair esse tipo de homem. Eles são programados, corretos, nunca se atrasam, são mega responsáveis, estáveis, lêem coisas que nenhum mortal lê, mas, convenhamos, definitivamente não fazem você feliz. Há tempos não vejo você com um brilho diferente no olhar, mesmo estando acompanhada”.
Lu estava certa. Rafaela acabava terminando os namoros, embora os namorados recentes nunca fizessem nada de errado. Talvez fosse isso que faltava – uma pequena dose de inesperado, uma pitada de irresponsabilidade, emoção. Mas ela precisava acrescentar que os últimos acontecimentos foram emocionantes além da medida, e muito sofridos, diga-se de passagem. Já havia feito coisas irresponsáveis antes. Namorara garotos mais velhos e meio encrenqueiros no tempo da escola. Já fugira de aulas, viajara escondido e aprendera a fumar. Mas em nenhum momento as coisas que fizera mudaram drasticamente a pessoa que era. Seu caráter nunca havia sido posto à prova como agora. Além disso, havia mais que uma questão de caráter norteando toda a bagunça em que se encontrava.
Foi então que voltou ao presente. Não havia propósito em ficar lembrando as coisas irresponsáveis que aprontara no colegial. Agora era tudo diferente. Já não tinha mais 16 anos e um namorado irresponsável – tinha exatamente o dobro da idade, estava sozinha, confusa e sofrendo por vários motivos diferentes. Urgh.
Levantou-se da poltrona, acendeu outro cigarro e ficou olhando pela janela. La embaixo, na avenida, a vida se desenrolava em trânsito. Quantas daquelas pessoas tinham uma vida perfeita? Quantas estariam levando arrependimentos para casa? Com relação à primeira pergunta, ela tentava se convencer de que a resposta seria um conjunto vazio. Quanto à segunda, estava fazendo o melhor para acreditar que não pertencia ao grupo.
- Definitivamente eu preciso de um banho. Estou um trapo, disse enquanto se olhava no espelho sobre o aparador.
Terminou o cigarro, caminhou lentamente para o quarto, tirou os sapatos e os guardou – nada de deixar para mais tarde – se despiu e pôs as roupas no cesto. Mais uma olhada no espelho a convenceu de que não tinha mais 16 anos. A mulher que a encarava do outro lado era exuberante e bem bonita, mas hoje se mostrava cansada. Rafaela abanou a cabeça e virou as costas para sua imagem. Ligou o chuveiro e esperou lavar a tristeza com a água do banho.

terça-feira, 14 de setembro de 2010

Agradecimento

Viram o meu banner novinho em folha? Pois é. Essa postagem se destina exclusivamente ao agradecimento.


Metall, querido (acho que ele não vai gostar da parte do querido. hahah)
Muitíssimo obrigada pelo banner lindão. Ficou maravilhoso e, sinceramente, quanta eficiência.


Só um pedido: não se candidate Nunquinha da Silva. Vai que você fica ruim em cumprir promessas. Hauhauhauhau.


Obrigada mesmo.

sexta-feira, 10 de setembro de 2010

Quem é importante? A história de uma margaridinha.




Era uma vez uma plantinha pequena, uma margarida branquinha plantada no jardim. Ela se sentia muito engraçada no lugar onde vivia. Todas as flores eram muito coloridas e ela achava que ser branca não era a melhor coisa do mundo. As outras flores, de vez em quando, riam dela e diziam: “Que florzinha mais sem graça, toda branca, sem muito colorido, só com um amarelinho no meio.”

Um dia começou uma conversa. As plantas discutiam quem era mais importante.

A mais importante sou eu. – dizia uma roseira carregada de flores vermelha – Minhas rosas são bonitas e perfumadas e enfeitam todo o jardim.

Que nada. – dizia a mangueira – A mais importante sou eu, porque posso fazer sombra e refrescar o lugar. Além disso, sou morada de passarinhos. Continuava a mangueira, orgulhosa.

Mas você não pode subir no muro. – emendava a trepadeira – A mais importante sou eu, porque sou esperta.

Nem pensar, dona trepadeira. A mais importante sou eu – falava a grama – Eu posso cobrir todo o jardim e enfeito muito mais que vocês. Imaginem só. Um jardim sem grama perde toda a graça.

O cravo, vermelho e rendado, dizia com um vozeirão: Ora essa. Vocês são umas faladeiras. Eu sou mais importante, porque sou diferente. Sou bonito e minhas cores são vibrantes.

E começou a confusão. A samambaia dizia ser mais importante, porque podia balançar com o vento. O coqueiro se achava mais importante porque dava frutos com uma água boa para beber. A azaléia dizia que seu tom de cor-de-rosa era maravilhoso e que, por isso ela era mais importante. Cada planta tinha um motivo para se achar melhor que as outras.

A margarida estava começando a ficar muito triste. Se todas as plantas eram tão importantes, o que sobrava para uma pequena margarida como ela?  Quem seria realmente importante? Ela poderia ser importante para alguém? Não demorou muito e a margarida foi ficando murchinha de tristeza.

Logo apareceu a menina que cuidava do jardim. Todos os dias, ela pegava um regador e passava por todas as plantas, tomando conta de cada uma. Quando a menina passou pela margarida, tomou um susto. A margarida estava muito fraquinha.

A menina correu até a sua casa, buscou algumas ferramentas e tirou a margarida do jardim. Colocou-a num vaso e cuidou dela o dia todo.

Quando a margarida se sentia melhor, resolveu fazer uma pergunta para a menina.

Por que é que você resolveu cuidar de mim? Todas as plantas do jardim são mais importantes que eu.

A menina olhou bem para a margarida e sorriu. “Quem é que disse uma coisa dessas?” – quis saber.

Bem, - respondeu a margarida – todas as plantas do jardim dizem que são mais importantes que eu. Umas porque são mais bonitas, outras porque são maiores ou porque são mais espertas. Achei que eu não era assim tão especial.

A menina deu um beijo na margarida.

Você sabe o que é ser importante? – perguntou

Não. – respondeu a margarida.

Ser importante é quando você é especial para alguém. É quando alguém te ama muito e pensa em você muitas vezes. É quando alguém se importa com você. Ser importante não é ser mais bonito ou esperto, nem ser maior ou mais forte. Ser importante é ter a capacidade de fazer com que alguém goste muito de você. Não importa quantas cores você tenha ou a sua altura. Todos são importantes e fazem a diferença só por existirem. E você é muito especial e importante para mim.

A margarida entendeu e sorriu. Se ela podia ser o mundo de alguém, sem dúvida, ela era a plantinha mais importante do mundo.


sexta-feira, 3 de setembro de 2010

Eu queria um HD externo.





Eu queria um HD externo para o meu próprio cérebro. Queria poder ter outro lugar, que não fosse a minha cabeça, para armazenar algumas coisas. Seria uma bênção poder me livrar de alguns arquivos e fazer um backup de outros.

Se eu pudesse mesmo ter um HD externo, iria organizá-lo em pastas. Tudo ficaria bem compartimentado e juro solenemente que alguns assuntos não seriam visitados nunca, jamais. 

Iria começar pela pasta do trabalho. Essa ficaria irremediavelmente no HD externo e os arquivos só migrariam para a máquina original quando batesse o cartão de ponto. Eu pararia de me preocupar no meio da madrugada com os exames dos pacientes e com as coisas que poderiam ter sido melhor desenvolvidas. 


Faria uma pasta para meus escritos, principalmente os importantes. Ali, faria um backup de todas as ideias que me aparecem num flash em momentos totalmente inapropriados e se recusam a voltar outra hora. Colocaria nessa pasta também o meu medo de me frustrar e toda a ansiedade que, em alguns momentos, os textos me fazem sentir. Encheria essa pasta com diálogos, observações do cotidiano, situações, descrições e personagens. E buscaria cada uma dessas informções no momento oportuno. Acrescentaria ali algumas gramáticas e técnicas de escrita, bem ao lado do novo acordo ortográfico.


Teria uma pasta para erros. Minha cabeça está lotada deles e eu tenho o hábito intragável de ficar remoendo cada um por dias a fio. Seria um alívio poder me desfazer desse conteúdo de vez em quando.


Faria uma pasta para boas lembranças. Um backup seguro para momentos que gostaria de poder gravar na memória para sempre.

Incluiria uma pasta para sonhos e objetivos.


Teria uma seção de lembretes, coisas a fazer e obrigações.


Faria um espaço com a única finalidade de me obrigar a fazer exercícios físicos e usar o telefone celular.


E a pasta mais importante de todas seria uma totalmente vazia. Não colocaria nada lá. Nada de medos, sensação de impotência, raiva, tristeza, euforia, nada que me lembrasse de compromissos, de erros, de faltas. Essa pasta seria o meu maior tesouro. Seria acessada com frequencia, toda vez que eu precisasse fugir de mim.


Claro que o HD precisaria de uma capacidade enorme, mas sempre se pode sonhar, não?

quinta-feira, 2 de setembro de 2010

Uma singela opinião sobre o novo trem do metrô



Essa semana estava na estação do metrô com meu companheiro livro, aguardando. Em quatro anos de metrô, descobri que levar um livro comigo é indispensável. Meia hora para ir e meia hora para voltar são um tempo precioso que, no início, era ocupado com ... nadica de nada. Percebi que isso era um erro. Primeiro porque ficava absolutamente entediada e, segundo, porque eu invariavelmente me via obrigada a enredar por uma conversa de elevador que durava meia hora. ¬¬


Entendam. Não tenho problema nenhum em conversar. Pelo contrário, acho que falo até demais para o meu próprio bem. Mas daí a ficar uma hora do seu dia conversando sobre como está o tempo ou ouvindo as lamúrias de alguém sobre o preço das passagens ou o quanto o trem está lotado? Nem pensar. Tenho outras coisas a fazer.


Cheguei a pensar na possibilidade de fazer crochê. Sim eu faço crochê e ponto de cruz. Coisa de avó, mas é ótimo para esvaziar a cabeça. A gota d'água foi o dia em que um moço, ávido de conversa, me pediu para ensiná-lo. Eu acabara de atingir um limite. Definitivamente eu não queria ficar conversando com gente que eu não conhecia. Então comecei a ler. Toda vez que a porta do trem abre e eu entro, enfio a cara no livro e vou saculejando até o trabalho. Trato de esconder bem o rosto, porque acho que eu tenho cara de faladeira.


E é esse o ponto em que voltamos ao início do texto. Quando o trem parou na plataforma, vi que era diferente. Entrei e achei meio estranho. Os bancos que ficam lado a lado, deixando um corredor estreito foram colocados encostados na parede do trem. Sobrou um corredor enorme. "Vai dar pra entulhar um monte de gente aqui"- pensei. Diminuíram consideravelmente as barras verticais para a gente se segurar. Agora só tem lugar próximo ao teto. "Droga. Vou ter que ir de salto todo dia agora". Mas o pior só veio quando a gravação que anuncia as estações começou.


A voz é chatinha e fala o nome das estações em português e inglês. Ninguém merece. "Próxima estação: Arniqueiras. Next station: Arniqueiras. No metrô é proibido agaixar e se sentar no piso dos trens. Não incentivem o comércio e as esmolas...Desçam pelo lado direito do trem" Gente! A mulherzinha da gravação não pára de falar hora nenhuma. Um inferno.


 Tô perdida. E eu que lia para fugir da falação alheia e agora o próprio metrô é que fala pelos parafusos... Quem sabe daqui há alguns dias eu consigo uma estratégia para me concentrar novamente. Quem sabe vou começar a chegar no trabalho em alfa.


Este fica sendo o primeiro post da série desventuras no metrô. Garanto que a série poderá ser alimentada indefindiamente.


Beijinhos
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